O Poder das Mulheres na Literatura

Você sabe dizer o nome de uma grande escritora brasileira? Mulheres como Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Cecília Meireles são alguns nomes de escritoras brasileiras famosas, que viveram no século XX. Mas, onde estão aquelas mulheres que viveram antes desse tempo?

Porque será então que as mulheres escritoras, antes do século XX, eram tão desconsideradas assim? É neste artigo que vamos conversar um pouco sobre as pioneiras, as escritoras que viveram antes do século XX e que foram basicamente as fundadoras da literatura feminina no Brasil.

História das mulheres na literatura

Apesar das mulheres estarem publicando cada vez mais livros nos dias de hoje, houve um tempo em que a presença feminina na literatura era praticamente inexistente. Mas porque será que as mulheres demoraram tanto a figurar no meio literário?

Um bom exemplo que explica essa situação é Sóror Juana Inés de La Cruz, apesar de ela ser uma poetisa mexicana – lá do tempo do Barroco – e sua obra ser toda escrita em espanhol, a biografia dela ajuda um pouco a entender porque as mulheres ficaram afastadas da literatura.

Sóror Juana Inés era dama de companhia da vice-rainha da Espanha, lá no México e era uma moça muito prendada. Havia vários pretendentes para casar com ela. Porém, ela preferiu seguir a vida religiosa, entrou para o convento para que ela pudesse continuar seus estudos, continuar fazendo seus escritos literários e fugir das obrigações matrimoniais que as mulheres da época tinham.

Pode-se dizer que foram as obrigações matrimoniais que afastaram as mulheres da literatura, já que no passado, as mulheres eram preparadas para serem boas esposas e boas donas de casa. Praticamente, não havia escolas e as poucas que existiam eram exclusivas para os homens. As poucas mulheres que eram alfabetizadas eram de famílias ricas, que podiam pagar um tutor – uma espécie de professor particular. Mesmo sendo educadas, prevalecia a ideia de que as mulheres tinham que aprender corte e costura, culinária e outras coisas, tudo para enfrentarem o casamento.

Além disso, a sociedade patriarcal acabava inferiorizando as mulheres, já que elas não podiam participar da vida social e da vida política. Mesmo que uma mulher expressasse suas opiniões, essas opiniões acabavam sendo negligenciadas pelos homens de sua época. E isso acabou refletindo muito no pequeno número de livros publicados por mulheres no Brasil, até a metade do século XX. Mesmo que outras mulheres estivessem escrevendo antes deste período, provavelmente, os seus escritos ficaram guardados e acabaram se perdendo com o tempo.

Surgimento das pioneiras no Brasil

A publicação de livros escritos por mulheres no Brasil começou no período do Romantismo, em meados do século XIX.

A primeira mulher brasileira a publicar um livro foi a gaúcha Ana de Barandas (1806-1863), e ela também foi pioneira no uso de ficção para discutir ideias, que para aquela época já podiam ser consideradas feministas. O seu livro “Diálogos” é considerado uma verdadeira afronta às pessoas mais velhas da família e a toda estrutura familiar patriarcal daquela época. E, além disso, no seu primeiro livro ela defendia a participação das mulheres nos assuntos nacionais, principalmente, aqueles que envolviam questões políticas. Detalhe: O livro Diálogos foi publicado em 1845.

 

“Então para que condenais, tão rigorosamente defeitos que procedem de causas poderosíssimas? Basta, para justificar- nos esta máxima: Todo vivente se interessa pela sua própria conservação. Portanto, não se deve estranhar que uma mulher abrace o que, no seu entendimento, se lhe aparenta mais vantajoso.” Ana de Barandas em “Diálogos” (1845)

 

Dois anos depois, em 1847, Nisia Floresta (1810-1885), escritora nascida no Rio Grande do Norte, estava publicando “Fany ou o modelo das donzelas”. O livro é uma obra de ficção que já trazia também ideias feministas. Mas antes disso, ela já tinha lançado um manifesto que se chamava “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens” (1832), trazendo à tona todas as imposições e as dificuldades que as mulheres enfrentavam dentro do ambiente doméstico, no centro da sua família.

 

“Os homens não podendo negar que nós somos criaturas racionais, querem provar-nos a sua opinião absurda, e os tratamentos injustos que recebemos, por uma condescendência cega às suas vontades; eu espero, entretanto, que as mulheres de bom senso se empenharão em fazer conhecer que elas merecem um melhor tratamento e não se submeterão servilmente a um orgulho tão mal fundado”. Nisia Floresta (1832)

A Nisia Floresta chegou a travar contato com grandes escritores de sua época como Auguste Comte, o pai do impositivismo e também Alexandre Dumas. O pioneirismo dela vai além da literatura, já que ela chegou a fundar uma das primeiras escolas só para moças no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

Só que o feminismo da Nisia Floresta poderia soar um pouco ultrapassado e até repressor nos dias de hoje, já que ela se baseava principalmente em ideias ligadas ao cristianismo, na ausência de vaidade pelas mulheres e também na obediência aos pais.

Embora o pioneirismo de Nisia Floresta e Ana de Barandas seja indiscutível, tem que levar em consideração que elas eram filhas de famílias ricas e que tinham condições de bancar uma educação formal para as duas. Dentro deste contexto, vale destacar outra escritora da mesma época delas, uma mulher preta, pobre e filha de mãe solteira, mas que conseguiu marcar e registrar a sua obra dentro da história da literatura brasileira.

Mulher negra, brasileira, destaque nacional em 1859

Maria Firmina dos Reis, nascida em São Luís do Maranhão em 1822, Maria Firmina só foi registrada em cartório três anos depois. Na sua certidão de nascimento não constava o nome do pai. A mãe dela morreu quando ela tinha cinco anos e ela acabou sendo criada por uma tia, que embora não fosse rica, tinha um pouco de condições e conseguiu colocar Maria numa escola. Maria Firmina nunca se casou, formou-se professora, passou em um concurso público e foi lecionar na cidade de Guimarães, também no Maranhão, onde ela morreu cega e pobre em 1917.

Mas Maria Firmina não veio ao mundo somente para ser professora, ela contribuiu ativamente com a imprensa de sua época, escrevendo crônicas, ficções curtas, poesias e até mesmo enigmas e charadas. Ela lutou diretamente na ativa pela abolição da escravatura e contra a desigualdade social em sua época. Depois que ela se aposentou em 1880, acabou abrindo a primeira escola mista para moças e rapazes, que também funcionava no Maranhão. Só que a ideia de misturar moças e rapazes no mesmo ambiente não agradava muito a sociedade conservadora daquela época e, a escola, acabou fechando depois de dois anos de funcionamento.

Na literatura, Maria Firmina dos Reis publicou o folhetim “Gupeva” que tinha uma temática indianista, o conto abolicionista “A Escrava” e, posteriormente, aquele que viria a ser o primeiro romance abolicionista do Brasil e também o primeiro livro a ser publicado por uma mulher negra em toda América Latina. Estamos falando do livro “Úrsula” (1859).

Apesar de ter uma protagonista branca, no mesmo molde das heroínas do Romantismo, o livro apresenta três personagens negros que discutem com muita profundidade a situação do negro naquele período. A história de “Úrsula” é praticamente uma tragédia romântica centrada no triângulo amoroso formado pela protagonista, pelo jovem Tancredo e pelo tio dela, que é o vilão da história.

A narrativa segue os moldes do Romantismo, com aquelas longas descrições de paisagem, descrições físicas dos personagens e, claro, maniqueísmo que defendia muito bem quem naquela trama era bom, e quem era mau.

Mas nas tramas paralelas de Tulio, Mãe Suzana e Antero é que se traça um retrato fiel da situação dos afrodescendentes no Brasil daquela época. É na voz desses personagens que são feitas muitas críticas e reflexões sobre a questão da escravidão e também sobre a abolição, que nem sempre era uma saída boa para aqueles negros que não teriam como sobreviver, caso ficassem livres. Eles são personagens secundários, mas a trama, as histórias deles vão ganhando força, ganhando corpo no decorrer da história e no final eles acabam servindo de fundo para discutir uma questão social muito importante, naquela época.

Aliás, é essa capacidade de usar a ficção para debater e discutir temas sociais que faz de Maria Firmina dos Reis uma das grandes autoras da Literatura Brasileira.

Injustiças e imortalidade!

O fato de a obra de Maria Firmina dos Reis ter ficado desconhecida do grande público por praticamente um século é uma grande injustiça. Mas, nós não podemos falar de injustiça sem citar aquela que talvez seja a maior injustiçada de todas as escritoras brasileiras.

Julia Lopes de Almeida foi a primeira escritora a publicar livros infantis no Brasil. Julia também escreveu dez romances, além de contos, crônicas e peças de teatro. E sabe qual foi a injustiça que ela sofreu? Ela foi praticamente barrada, simplesmente, cortada da Academia Brasileira de Letras.

A história é a seguinte, a Julia Lopes de Almeida fazia parte daquele grupo de escritores que idealizou a Academia Brasileira de Letras. Ela participou de todo processo, reuniões e tudo mais. O nome dela estava incluído na lista dos primeiros quarenta imortais da academia. Só que no dia da fundação, na hora de fazer a ata da primeira reunião, ela simplesmente foi cortada, porque os acadêmicos brasileiros acharam que a Academia Brasileira de Letras tinha que seguir os moldes da Academia Francesa de Letras, que só permitia participação e escritores homens. Assim, os acadêmicos colocaram no lugar de Julia, o próprio marido dela.

Essa tradição francesa de colocar membros homens na Academia Brasileira de Letras durou até 1977, quando Rachel de Queiroz se tornou a primeira escritora mulher a ocupar uma cadeira de imortal. Mas antes dessa data, várias autoras se destacaram ainda no século XX como grandes escritoras da Literatura Brasileira.

Libertação do conservadorismo

Na virada do século XIX para o século XX, o mundo passou por várias transformações, muitas mudanças de pensamentos, e as mulheres acabaram ganhando mais destaque no mundo das letras.

A carioca Narcisa Amália foi a primeira jornalista profissional do Brasil e trabalhou muito pela igualdade de direitos, e também pela valorização das mulheres. Infelizmente, as ideias feministas dela, não se refletiram em sua obra literária já que ela publicou apenas um livro de poesia, que seguia um estilo do Romantismo.

No começo do século XX, dentro do movimento simbolista, – que buscava despertar sensações por meio dos versos – a carioca Gilka Machado se tornou a primeira mulher a escrever e publicar poesia erótica no Brasil. Do ponto de vista feminino, isso era uma grande libertação daquele conservadorismo opressivo do começo do século que proibia, por exemplo, as mulheres de sentirem prazer no sexo.

Além da poesia erótica, Gilka machado lutou muito na esfera política pela valorização das mulheres, sendo uma das principais defensoras no direito de voto feminino nas eleições públicas.

Consolidação do Modernismo

Embora Tarsila do Amaral e Anita Malfatti tenham sido protagonistas da Semana da Arte Moderna, nenhuma mulher participou da parte literária do evento em 1922. Mesmo assim, é impossível não associar as figuras de Patrícia R. Galvão “Pagu” aos modernistas da primeira geração.

Pagu não participou da “Semana de Arte Moderna” porque em 1922 ela tinha apenas 12 anos de idade. Logo que completou 18 anos, Pagu formou-se na escola normal e aderiu ao “Movimento Antropofágico”. Ela foi a segunda esposa de Oswald de Andrade, que antes era casado com Tarsila do Amaral.

Com o modernismo consolidado no Brasil, as gerações futuras de escritores modernistas sempre contaram com grandes autoras e com grandes mulheres. Um bom exemplo é Rachel de Queiroz que, como dito antes, foi a primeira mulher a ter sido eleita para a Academia Brasileira de Letras. Rachel de Queiroz nasceu no Ceará e foi uma das principais representantes do chamado Neorealismo, que por meio do regionalismo denunciava a difícil situação das classes sociais menos favorecidas, no interior do país.

O primeiro livro de Rachel foi publicado quando ela tinha 20 anos de idade e se chama “O Quinze”, o qual retrata uma grande seca que assolou o interior do seu Estado no ano de 1915.

Além de Rachel de Queiroz, outras escritoras alcançaram grande destaque dentro da Literatura Brasileira do século XX como Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Ana Maria Machado e Clarice Lispector.  Na poesia nomes como Cecília Meireles, Cora Coralina, Adélia Prado e Hilda Hilst foram muito premiadas.

Honra ao mérito!

Agora, duas autoras brasileiras do século XX merecem muito destaque devido a história de superação que ambas tiveram por meio da literatura. São elas: Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus.

Carolina Maria de Jesus era catadora de materiais recicláveis e viveu durante muitos anos em uma favela na região do Canindé em São Paulo. Entre 1955 e 1960, ela fez várias anotações em cadernos que ela encontrava no lixo. E essas anotações deram origem ao livro “Quarto de Despejo”, o diário de uma favelada. O livro foi traduzido em vários idiomas e alçou Carolina Maria de Jesus a categoria de uma das grandes autoras da literatura brasileira.

Nascida em uma favela na zona sul de Belo Horizonte, em Minas Gerais, Conceição Evaristo teve que conciliar os estudos com a profissão de empregada doméstica. Depois que ela se formou, prestou um concurso público no Rio de Janeiro, passou e se mudou para o Estado. Lá ela prestou vestibular e cursou Letras na Universidade Federal Fluminense. A sua obra é um verdadeiro retrato da discriminação racial de gênero e também de classe.

A participação de mulheres na Literatura Contemporânea é bem maior do que no passado. Mas, mesmo assim, uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Brasília aponta que as mulheres representam apenas 30% dos autores que publicaram livros aqui no Brasil até o ano de 2014. E essa realidade não exclusiva aqui do país, no mundo todo, as mulheres ainda são minoria na literatura.

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