A convivência com seu filho autista, hoje com 12 anos, fez Ariomar da Luz Nogueira Filho viver de perto o processo do diagnóstico do autismo. “Eu verificava que, quando passava um desenho animado na televisão, meu filho raramente olhava para o personagem principal: ele ficava olhando outras partes das imagens, como figuras geométricas, por exemplo. Ele via televisão, mas não fixava o olhar nos personagens”, relembra, sobre como surgiu a ideia para o projeto.
Assim, inspirado na própria vida e também em sua experiência como professor da rede pública, Ariomar decidiu elaborar um estudo comportamental para ajudar no diagnóstico do autismo e determinar o nível do espectro do transtorno. Surgia o seu projeto de mestrado em Engenharia Biomédica Averiguação facial e análise do processamento holístico no transtorno do espectro do autismo (TEA).
Orientado pelo professor Gerardo Idrobo Pizo, e coorientado pelo professor Leandro Xavier Cardoso, ambos da Faculdade de Engenharia UnB/Gama (FGA), o trabalho propõe um sistema que usa câmeras de profundidade e algoritmos de inteligência para detectar a posição da pupila (o movimento dos olhos) de crianças de 5 a 12 anos, a fim de extrair parâmetros de seu olhar e avaliar o nível de atenção frente a uma situação controlada. A revisão é defender a dissertação em setembro.
“O surgimento de novos dispositivos eletrônicos permite interagir com máquinas através do olhar em tempo real. Trata-se de ferramenta poderosa, a serviço da educação, que permite avaliar automaticamente o aluno”, explica o professor Pizo, especialista em visão computacional, entre outros.
A ferramenta foi projetada principalmente para auxiliar médicos, psicólogos e professores no processo de detecção do autismo de crianças em escolas públicas do Distrito Federal. Porém, não fornece um diagnóstico oficial. “Este tem que seguir um protocolo e deve ser feito por psicólogo e médico”, destaca Ariomar, que é professor de Física da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF).
De acordo com o professor Pizo, o aparelho servirá também como um sistema de controle de aprendizagem. “Existem várias crianças que ficam muito tempo sozinhas e o sistema acusaria o seu nível de atenção na frente do computador. Em conclusão, o que estamos apresentando, é uma tecnologia emergente que pode ficar por muito tempo nas escolas por ser uma ferramenta eficaz de avaliação objetiva”, explica o orientador.
Para a avaliação, a criança deve sentar-se em frente a um computador que possua dois softwares específicos instalados para essa finalidade e uma câmera infravermelha de profundidade. Na tela do computador, irão aparecer diversas imagens salvas num arquivo de Powerpoint. A partir daí, é verificado geometricamente onde a criança foca o seu olhar.
O projeto do mestrando Ariomar trabalha com um total de 14 slides, com imagens representando faces modificadas dos atores que fizeram o filme de ação Vingadores. Os rostos estão modificados, pois as imagens foram editadas misturando detalhes dos atores, como, por exemplo, o olho de um personagem, com a boca de outro. Todo o processo de avaliação dura de 3 a 5 minutos.
“Boa parte das crianças conhece os personagens. Trocamos os rostos justamente para ficar diferente, para prender a atenção delas e fazê-las olhar toda a imagem”, conta o pesquisador. A principal diferença deste estudo em relação aos demais que trabalham o diagnóstico do autismo, é que ele analisa a visão da criança em relação somente à face humana, sem considerar figuras geométricas, animais ou textos.
“A ideia do meu trabalho foi analisar a reação da criança frente somente à face humana, sem nenhum outro obstáculo para o olhar. Tanto é que todas as imagens são cortadas em 2D e sem fundo (o fundo é escuro). A intenção é justamente ver a interação social da criança (autista ou não) com um ser humano”, explica Ariomar.
Como resultado, a ferramenta apresenta como é a fixação do olhar da criança. Ao trabalhar com faces humanas, a tendência é que as crianças autistas não olhem a região dos olhos da imagem. Outro detalhe percebido na avaliação determina que, se a criança tiver boa parte de suas fixações (ou de seu olhar) dentro da tela do computador, ela não é considerada autista.
Ou seja, identificando onde uma criança autista olha – sendo que ela pode também ignorar toda a imagem e olhar para fora da tela – e onde uma criança de controle (não-autista) olha, é possível verificar se ela apresenta tendências no espectro autista ou não.
O projeto trabalha com os conceitos de fixação e sacada. Fixação é quando o indivíduo olha algo e identifica o objeto ou a pessoa. Ou seja, quando ele faz uma fixação, ele olha e foca. Sacada é apenas quando a visão passa de uma imagem para outra, sem identificação.
“A sacada é o processo que fica entre uma fixação e outra. A pessoa pode ter várias fixações dentro da mesma imagem. Normalmente, a fixação demora em torno de 200 milissegundos, e a sacada é bem mais rápida, em torno de 40 milissegundos”, explica o mestrando. Além disso, o estudo pretende verificar uma hipótese, a de que a sacada – que é o movimento rápido – pode ser mais lento nas crianças autistas em relação às crianças típicas.
Para realizar a avaliação das crianças, o estudo utiliza dois softwares livres: Ogama e Orange. O primeiro, de origem alemã, funciona por meio de uma câmara infravermelha, a Gazepoint, de 60 hz, que verifica a posição do olhar e oferece o chamado mapa de calor, que indica o que exatamente a criança olhou, ou seja, qual foi o número de fixação. Mede também a velocidade de sacadas. Já o Orange realiza a mineração (análise) dos dados, para fazer a apreciação estatística.
“Com essa ferramenta, tenho condições de verificar, por meio de uma rede neural de algoritmos, se a criança é autista ou não. A ferramenta vai me passar consequentemente o nível do espectro: se é muito ou pouco deficiente em relação ao espectro do autismo, que pode ser baixo até muito alto. Sabemos que não é uma análise pontual”, explica o mestrando.
Para ser testada, a ferramenta precisa ainda da aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa e Saúde da UnB. O processo está em trâmite, aguardando o retorno das aulas suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus, o que impossibilita o contato com as crianças. “Mas já realizamos algumas simulações com ótimos resultados”, enfatiza Ariomar. *Informações da Assessoria de Comunicação da UnB.