Atualmente, ninguém mais duvida do poder das redes sociais. Desde o extinto Orkut, que nasceu em 2004 (poucos sabem, mas o LinkedIn é dois anos mais antigo) até o polêmico ClubHouse, parece que elas chegaram mesmo para marcar uma geração.
Além de servirem como forte veículo de comunicação em massa, as pessoas, por sua vez, adotaram a ideia de compartilhar facetas do seu dia a dia com familiares e amigos como um modo de vida. Nada mais natural, pois temos a necessidade de nos expressar e interagir.
Os problemas começam quando alguns erram a mão de sua liberdade e passam a expor atitudes e opiniões que prejudicam a sua vida pessoal, em especial, a sua carreira. As organizações, cientes do poder das redes sociais, também sentem impactos causados pela irresponsabilidade de alguns funcionários, principalmente quando isso ultrapassa os limites do livre arbítrio e do bom senso. Mas afinal, aonde acaba o limite de liberdade de expressão e começa um ato lesivo contra a empresa?
O direito à livre expressão é assegurado pela Constituição Federal de 1988. O artigo 5º detalha sobre a liberdade do indivíduo em questões de consciência, crença, expressão intelectual ou artística.
Por outro lado, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) prevê no artigo 482 do Decreto Lei nº 5452 de 01 de Maio de 1943 a dispensa do funcionário por justa causa, entre outros motivos, por “ato lesivo da honra ou da boa fama” praticado contra a empresa ou seus componentes.
O funcionário mantem ligação direta com a empresa como trabalhador, e pode sim ser considerado um representante da organização perante a sociedade. Por isso seus atos, mesmo que fora do ambiente de trabalho, são levados em consideração.
A justa causa é a máxima penalidade que pode ser aplicada a um trabalhador, então a justiça incentiva que as organizações a apliquem com parcimônia, nos casos expressamente enquadrados. Por esse motivo, muitas demissões por justa causa acabam sendo revertidas em rescisões normais na justiça.
Mas a Justiça do Trabalho, por sua vez, segue evoluindo para acompanhar as novidades e consequências dos avanços tecnológicos. Especializada em Direito Digital, a advogada Samara Schuch, do escritório Opice Blum, considera a legislação brasileira evoluída para resolver questões ligadas ao mau uso da internet. “Até o STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que crimes na internet têm o mesmo peso que crimes no ambiente comum, com a diferença de que a propagação e as consequências são potencializadas”- afirma.
Você sabe o que é uma jurisprudência? Significa literalmente o conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais superiores, adaptando as normas às situações de fato.
Em termos simples, quando não temos uma lei expressamente direta sobre algum assunto, a decisão da justiça não deve ser tomada somente levando em conta os fatos, mas também a interpretação da lei, que é mais subjetiva.
Isso acontece na descrição de alguns itens dos requisitos para a dispensa por justa causa. Ali não estão descritos todos os atos lesivos que uma pessoa pode praticar, então, um magistrado pode se valer do princípio contido na lei.
Em 2017, foi publica no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho (DEJT) a decisão proferida nos autos E-RR 207400-63.2009.5.02.0203, aonde um analista de desenvolvimento recorreu da decisão da empresa, que havia lhe dispensado por justa causa por conta de comentários no site da revista Info Exame.
Na reclamação trabalhista, ele ponderou que não deu motivo para ser demitido por justa causa. Em depoimento, disse que “fez os comentários, na condição de leitor da revista, porque a empresa havia comunicado por e-mail aos empregados que não iria pagar o aumento do dissídio coletivo, e mesmo assim estava abrindo novas vagas.”
Essa situação demonstra que, quando o empregado vai lançar um comentário em rede social à respeito do seu empregador, deve estar ciente das consequências, ainda que o funcionário aparente estar com a razão. A justiça leva em conta que tais mensagens denigrem o propósito e imagem do empregador.
Em outro caso, também foi mantida a dispensa por justa causa aplicada a um trabalhador que falou mal da empregadora, que é do ramo de conservação e limpeza no Facebook. Na mensagem, o profissional fez um comentário público, no qual destacou que não recomendava a empresa, além dos seguintes dizeres: “Não trata seus empregados com respeito, ameaças constantes aos empregados, levando ao total constrangimento e humilhação”.
O funcionário, ao recorrer da decisão da empresa, alegou que “fez apenas uso do direito constitucional de expressão e manifestação do pensamento, em rede social”. Ao decidir o caso, a juíza concluiu que “o exercício do direito à liberdade de expressão, assegurado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, não permite ao autor fazer comentários públicos, em redes sociais, que afetem a imagem da empregadora (…), sendo patente a falta grave cometida pelo autor ao fazer comentário público em rede social, apto a ser configurado como ato lesivo da honra ou da boa fama da empregadora”.
Os casos não precisam envolver somente os superiores, mas também publicar ofensas a colegas de trabalho nas redes sociais configura ato lesivo à honra, sendo motivo suficiente para despedida por justa causa. Em um caso ocorrido em Santa Catarina, regiao sul, um trabalhador colocou em redes sociais palavras ofensivas direcionadas à algumas colegas. A juíza concluiu:
“Ficou demonstrado que, ainda que o reclamante tenha enviado as mensagens ofensivas a colegas de trabalho fora do período de sua jornada de trabalho, longe do local de trabalho, tais mensagens chegaram, repercutiram, no ambiente de trabalho, o que caracteriza a prática de ato lesivo à honra e à boa fama de suas colegas de trabalho no serviço”.
Um outro tipo de postagem pode se voltar contra o funcionário, como foi o caso de uma trabalhadora que apresentou um atestado medico recomendando afastamento por 15 dias. Porém, durante esse mesmo período, a trabalhadora postou no Facebook fotos suas e de sua família na Praia do Forte em Cabo Frio/RJ.
Para o magistrado, o fato de a trabalhadora ter apresentado atestado médico e optado por viajar sem qualquer satisfação ou comunicação ao empregador, o qual imaginava que ainda estivesse doente, implicou na prática do ato de improbidade, resultando em má fé.