Direitos do Trabalhador

Justa causa por desídia: como pode acontecer?

Segundo o dicionário, desídia é o ato evitar qualquer esforço físico ou moral. Seus sinônimos podem ser desleixo, negligência, ociosidade e preguiça.

No ambiente de trabalho, ela pode acontecer por negligência, desorganização e desleixo do empregado na prestação de seus serviços. Ela se refere também à falta de atenção, empenho e interesse no exercício das atividades laborais, por parte do empregado.

Nenhum empregador tem a obrigação de manter em seu quadro de colaboradores alguém que não cumpre com as obrigações acordadas em seu contrato de trabalho. Por isso, a desídia pode levar a demissão por justa causa.

Como a desídia pode causar demissão por justa causa?

O artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), alínea “e”, determina que constitui motivo de dispensa por justa causa o fato de um empregado desempenhar suas funções com desídia.

Neste caso, a justa causa pode ser aplicada nos casos de:

  • Reiteração de faltas leves;
  • Na ocorrência de falta grave por negligência, imprudência ou imperícia com grave prejuízo à empresa ou a colegas de trabalho.

Reiteração de faltas leves

Podem ser consideradas faltas leves:

  • A primeira ausência injustificada;
  • O primeiro atraso ao trabalho sem justificativa;
  • Deixar de realizar uma tarefa no prazo por negligência (desde que não traga prejuízo relevante à empresa);
  • Primeira vez que deixar de realizar hora extra para serviço inadiável (se não for inadiável não cabe punição), sem justificativa;
  • Negar em fazer exame periódico (primeira vez) sem qualquer motivo;
  • Produção com considerável grau de imperfeição;
  • Abandono do local de trabalho durante a jornada.

No caso de falta leve, não é possível aplicar a justa causa na primeira ocorrência. É preciso que haja uma sequência de fatos, juntamente com penalidades.

As empresas normalmente adotam uma punição leve e aumentam gradativamente, em cada reincidência. Podem começar com uma advertência, depois suspensão de um dia, suspensão de três dias, suspensão de cinco dias, até culminar na justa causa, se for o caso.

Falta grave

Segundo Alfredo Bottone, advogado trabalhista, falta grave é a violação de deveres funcionais, por ação ou omissão, por dolo (ato ou omissão proposital) ou culpa (ato decorrente de negligência, imprudência ou imperícia). Este ato deve resultar em prejuízo à empresa. Também é uma falta grave a prática de qualquer dos atos a que se refere o artigo 482 da CLT, ou outros textos legais.

No caso da falta grave, tal como danificar um equipamento de altíssimo custo por negligência ou imprudência, a justa causa poderá ser aplicada na primeira ocorrência. Não é necessário aplicar punições gradativas, como no caso das faltas leves.

Por exemplo, se um empregado, por negligência, provoca um acidente do trabalho, com grave lesão a um colega de trabalho, isso pode ser motivo de justa causa na primeira ocorrência.

Justa causa: elementos necessários

A justa causa requer os seguintes elementos para caracterizá-la:

Prova

Ela pode ser documental, pericial ou testemunhal. Não pode haver dúvida do fato e da autoria. Em um caso de acidente do trabalho, por exemplo, causado pela negligência de um empregado, a comissão de investigação de acidente deve produzir um relatório demonstrando as causas e a responsabilidade pelo acidente.

Atualidade

O fato deve ser novo, ou conhecido há muito pouco tempo, ou seja, até 30 dias da ocorrência ou do conhecimento do fato (no caso de sindicância, até 30 dias após a conclusão da mesma).

Não aplicação de dupla penalidade para um mesmo ato faltoso

Não pode ter havido punição anterior pelo fato ocorrido. Por exemplo, se o empregado danificou um equipamento e a empresa decidiu aplicar uma suspensão de 3 dias, não poderá cancelar essa medida para substituí-la pela justa causa.

Motivo para desídia nos dias atuais: uso do celular

Os artigos 2º e 444 da CLT colocam que o empregador é o dono do negócio, que assume o risco da atividade econômica. Então, ele tem o poder de dirigir e disciplinar as atividades de seus empregados.

Os celulares se tornaram uma forma de distração durante o trabalho. Um exemplo cada vez mais comum de ocorrência da desídia é o uso indiscriminado de aparelho celular durante o horário de trabalho pelos empregados, acessando e postando em redes sociais ou aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.

Essa situação tem gerado bastante polêmica e desgaste nas relações trabalhistas. Diante da proibição, o empregado que utilizar o celular, poderá ser demitido por justa causa, em virtude de desídia.

Foi o que aconteceu a um trabalhador que tentou reverter a sua justa causa na 10ª turma do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 3ª região. A Justiça do Trabalho de Minas Gerais manteve a demissão por justa causa aplicada a um trabalhador que passava muito tempo no celular durante o expediente.

Por unanimidade de seus membros, o colegiado adotou o voto do relator, desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal, e negou provimento ao recurso do trabalhador.

“Provado nos autos que houve desídia e indisciplina, que foram observados a gradação das penas, a motivação e os princípios do contraditório e da ampla defesa, conclui-se acertada a sentença proferida pelo Juízo a quo que manteve a dispensa por justa causa”, concluiu o relator.

Mas isso não pode acontecer de maneira repentina. No uso de celular, assim como em outros atos leves de indisciplina, deve ser dada ao empregado a oportunidade de modificar sua conduta.

Como deve ser regulamentado o uso do celular?

O empregador deve estabelecer regras e padrões de conduta a serem seguidos pelos seus empregados durante os horários de trabalho, visando garantir uma maior produtividade e também a segurança destes. Por exemplo, em uma linha de produção em que se utilizam maquinários que podem causar danos físicos aos empregados, qualquer desvio de atenção poderá causar acidentes de trabalho.

Assim, as empresas podem criar regras para limitar ou proibir o uso do aparelho. Isso pode ser feito registrando e formalizando no contrato de trabalho, o ato da admissão, uma cláusula estipulando o horário permitido para uso do uso do aparelho celular.

Nesse contrato, deve constar, ainda, a forma de punição adotada caso haja descumprimento.

O empregador que restringe o uso do celular deve colocar à disposição do empregado o telefone da empresa para que faça ou receba ligações necessárias e urgentes.