O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica no combate ao feminicídio, ao declarar por unanimidade a inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”. Essa alegação era utilizada em casos de agressões e feminicídios, como forma de justificar o comportamento do agressor, alegando que sua honra teria sido ferida. A proibição do uso dessa tese vale tanto para a fase de investigação quanto para os julgamentos no tribunal do júri.
A ação que discutiu a inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra” foi apresentada pelo PDT em janeiro de 2021. O partido argumentou que a absolvição de réus baseada nessa tese era uma prática “nefasta, horrenda e anacrônica”, e que não era compatível com a Constituição. A partir dessa ação, o STF iniciou o julgamento sobre o tema.
No julgamento, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou pela inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”. Os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin seguiram o voto do relator. Nesta terça-feira, os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Rosa Weber também se pronunciaram favoráveis à inconstitucionalidade, formando uma maioria unânime.
Com a decisão do STF, fica proibido o uso da tese da “legítima defesa da honra” por advogados, policiais ou juízes, tanto de forma direta quanto indireta. Essa proibição se estende desde a fase de investigação dos casos até os julgamentos no tribunal do júri. Além disso, a defesa não poderá utilizar essa tese e, posteriormente, buscar a anulação do júri popular com base nesse argumento. Ou seja, o acusado não poderá cometer o crime e, em seguida, tentar se beneficiar dessa alegação.
Uma das importantes consequências dessa decisão é que os tribunais de segunda instância poderão acolher recursos para anular absolvições que tenham sido baseadas na tese da “legítima defesa da honra”. Caso venha a se constatar que a absolvição desrespeitou a proibição estabelecida pelo STF, poderá se determinar um novo júri. Essa medida não fere o princípio da soberania dos vereditos dos jurados, segundo entendimento da Corte.
Durante o julgamento, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber se pronunciaram de forma contundente contra a tese da “legítima defesa da honra”. Cármen Lúcia relembrou o caso da socialite Ângela Diniz, assassinada por Doca Street em 1976. Na ocasião, Doca alegou “legítima defesa da honra” para justificar o crime. A ministra destacou que a sociedade ainda é machista, sexista, misógina e mata mulheres pelo simples fato de serem mulheres e desejarem ser donas de suas próprias vidas.
Rosa Weber argumentou que a tese da “legítima defesa da honra” não é compatível com uma sociedade livre e democrática. Ela enfatizou que não há espaço para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, nos quais as mulheres foram vítimas de violência e abuso em defesa de uma ideologia patriarcal. A ministra ressaltou que essa ideologia legitima a eliminação da vida das mulheres como forma de reafirmar papéis sociais e conceitos distorcidos de “honra”.
A decisão do STF de declarar a inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra” representa um importante avanço na luta contra o feminicídio e a violência de gênero. Essa proibição reflete o reconhecimento de que a vida e a dignidade das mulheres devem ter proteção e valorização em uma sociedade justa e igualitária. A reversão dessa tese contribui para o fortalecimento dos direitos das mulheres e para o combate a preconceitos e estereótipos que perpetuam a violência de gênero. É um passo fundamental para construir uma sociedade mais segura e igualitária para todas as mulheres.