Todo mundo tem aquele amigo ou colega de trabalho que não se controla no uso de álcool, ou aquele que embarca no triste caminho das drogas ilícitas.
O alcoólatra ou o dependente químico não prejudica somente a saúde, mas também seus relacionamentos e a vida profissional. Não é raro ouvir falar de um conhecido, ou até mesmo ter alguém da família, que foi dispensado do emprego por ir trabalhar embriagado ou sob efeito de substâncias.
Nos casos mais graves, essas pessoas acabam indo morar nas ruas, comprometendo sua dignidade e sem conseguir um tratamento adequado ao seu vício.
É importante saber que tanto o alcoólatra quanto os demais dependentes químicos de drogas são considerados doentes pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Para o Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, existe diferença entre o uso crônico de substâncias e do mero uso por recreação, pois as consequências de ambas são diferentes.
Então, surge a pergunta: o alcoólatra ou dependente químico pode ser demitido do seu emprego? E se ele vier trabalhar alterado? Onde se enquadra a justa causa? Acompanhe com a gente como a lei trata esses casos delicados.
A embriaguez habitual que cause malefício ao contrato de emprego ou a embriaguez em serviço podem resultar na justa causa. Assim, acontece a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.
Dispõe o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (…)
Apesar do texto mencionar embriaguez alcoólica, o sentido da lei também engloba a utilização de outras substâncias tóxicas, como por exemplo, entorpecentes.
Conforme foi mencionado, é preciso cautela para diferenciar a embriaguez habitual (citada na lei como motivo para justa causa) da embriaguez crônica. Podemos explicar da seguinte forma:
Ainda podemos acrescentar as palavras da advogada Taiza Ilana Maira de Moura, em artigo no JusBrasil: “Embriaguez crônica é uma debilidade do organismo às substâncias à base de álcool etílico. É aquela na qual o indivíduo, através da ingestão habitual de considerável quantidade de álcool, submete o organismo a elevado grau de intoxicação, (…) tendendo a demência alcoólica. ”
Vimos que a lei ampara o empregador para demitir por justa causa um funcionário que, não sendo dependente químico ou alcoólatra, se apresenta alterado nas dependências da empresa para trabalhar.
É preciso que o empregador saiba diferenciar se o empregado que faz uso recreativo dessas substâncias, ou se está acometido por embriaguez crônica ou dependência química.
Mas, e se for o caso de um trabalhador dependente de substâncias? Como o empregador deve agir?
Se o funcionário for dependente químico de álcool ou alguma droga ilícita, a dependência é considerada como uma doença, e sua dispensa poderá ser considerada discriminatória.
Vemos na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST):
“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”
Recentemente, um empregado da Mercedes-Benz que sofria de dependência de álcool foi demitido e, logo após, teve sua dispensa anulada e o emprego restituído por vias judiciais.
Conforme o site Migalhas, o desembargador relator Ricardo Artur Costa e Trigueiros citou o reconhecimento da condição pela ONU como doença sem cura, passível apenas de controle. “Assim, constatada a dependência química e, a despeito de seus reflexos negativos na prestação do trabalho, não cabe a resolução do vínculo, nem mesmo sob a forma de dispensa imotivada (ou seja, sem justa causa).”
A turma arbitrou ainda que a empresa deverá indenizar o trabalhador em R$ 10 mil por danos morais, pelos “transtornos psicológicos muito maiores que os meros dissabores da rotina laboral”.
Então, para que a demissão seja válida, a empresa terá que provar que ocorreu por motivo alheio à doença.
A dependência química é considerada por uma parcela da sociedade como falta de caráter ou criminalidade. No entanto, ela é uma doença.
Qualquer um pode se tornar dependente químico quando há predisposição biológica, condição psicológica vulnerável e influências do seu meio social.
Sendo assim, os contribuintes do INSS que possuem tendência ao vício não podem ser discriminados, mas sim receber benefícios previdenciários. Neste caso, estamos falando do auxílio doença, pago pelo período em que o trabalhador estiver afastado em tratamento.
Para o recebimento desse benefício, o empregado deve ser afastado por mais de 15 dias por laudo médico que comprove o problema de saúde e o tratamento médico indicado.
Para isso, é preciso que o trabalhador procure um médico especialista, geralmente um psiquiatra, para fazer o encaminhamento.
Após o 16º dia já é possível agendar perícia médica no INSS. O perito fará um atestado da quantidade de dias de afastamento, que deve ser de acordo com o período de internação, que geralmente é de 180 dias, ou seis meses.
O psicólogo Marcelo Parazzi, especialista em tratamento das dependências químicas, esclarece que existem muitos casos de abandono no meio do tratamento ou até mesmo em poucos dias de internação. “Quando isso acontece, a instituição onde ele está acolhido informa ao INSS de que ele não encontra-se mais ali.”- declara.
Desta maneira, o valor do auxílio doença para dependente químico será cessado, e caso o trabalhador não retorne ao seu trabalho, ele corre o risco de não receber salário, tampouco o auxílio doença.
Muitas vezes o benefício pode ser indeferido, e isso acontece quando o médico da perícia não teve a comprovação necessária de que precisava para realizar o afastamento.
Caso isso aconteça, é possível recorrer junto ao INSS por meio de recurso administrativo. Tal recurso tem o prazo de 30 dias para resposta.