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Conseguir justiça gratuita pode se tornar mais difícil

Com a aprovação da Medida Provisória (MP)1045 pela Câmara dos Deputados, em 12/08, o direito à justiça gratuita passou a ser um assunto comentado. O texto da MP, além de criar novas modalidades de trabalho e mudar normas da CLT, também limita o acesso à justiça gratuita.

O direito à gratuidade da justiça está previsto no artigo 5º da nossa Constituição. Também se encontra garantido no artigo 98, do CPC (Código de Processo Civil), aonde diz:

“A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.

Justiça gratuita – para quem?

Atualmente, a justiça gratuita cobre taxas e custas judiciais, honorários de sucumbência (pagos ao advogado da parte que ganha o processo), honorários de perito em exame de DNA em ações de reconhecimento de paternidade, ações previdenciárias, entre outros procederes.

A justiça gratuita se destina à quem não pode pagar. O artigo 98 do CPC, acima citado, não especifica diretamente o que é “ausência de recursos”, tratando do assunto de maneira vaga. Sendo assim, as opiniões dos magistrados podem divergir, e cada um pode criar seus próprios critérios para concessão do benefício, usando de bom senso.

No 1º parágrafo da lei 1060/50, que define sobre a concessão da gratuidade da justiça, fala que a presunção de pobreza precisa ser afirmada como condição pelo interessado e, a partir desta, a pessoa já fará jus ao benefício. Essa declaração pode ser feita de próprio punho.

O texto da MP 1045 ainda depende de aprovação pelo Senado. Se entrar em vigor sem alterações, não bastará a declaração de presunção de pobreza. Terá direito à justiça gratuita somente a pessoa que:

  • Tenha renda mensal per capita de até ½ salário mínimo, ou renda familiar de até 3 salários mínimos;
  • Tenha cadastro em órgão oficial do Governo Federal instituído para programas sociais (provavelmente o CadÚnico).

Isso poderá dificultar o acesso para quem não pode pagar as despesas de um processo judicial. Se o texto for aprovado, haverá cobrança inclusive em juizados especiais federais (conhecidos como de pequenas causas). Hoje esses juizados atendem de graça ações de menor valor em primeira instância.

A gratuidade na Justiça do Trabalho

Para o processos na esfera do direito do trabalho, existem condições aprovadas na reforma trabalhista, em vigor desde 2017, para a concessão da gratuidade.

Ela é concedida para aquele que recebe salário igual ou inferior a até 40% do teto máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, fará jus a gratuidade da justiça, sendo assim, atualmente o valor para obtenção da gratuidade gira em torno de uma renda de até R$ 2.300 (dois mil e trezentos reais).

Vale ressaltar que, nesta situação, será necessária comprovação da necessidade, não valendo apenas a declaração de pobreza, como nos casos anteriores. Será necessário apresentar documentos que demonstrem seus rendimentos e seus gastos mensais.

As consequências de reter a justiça gratuita

Especialistas em direitos humanos e a DPU (Defensoria Pública da União) falaram para o site Uol Economia que o projeto impedirá que muitas pessoas reclamem seus direitos na Justiça.

Por outro lado, juízes federais criticam a mudança da regra para os juizados especiais, mas dizem que o texto avança ao definir normas precisas para o benefício, cortando abusos de quem consegue gratuidade, mesmo podendo pagar.

A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) também considera que as alterações sobre a Justiça gratuita são inconstitucionais e representam violação de direitos.

“A proposta trouxe de modo inadvertido e perigoso gravíssimas restrições ao acesso à Justiça gratuita, sem qualquer fundamentação idônea e sem ser objeto de debate ou emenda parlamentar. E tudo isso enquanto congressistas discutiam alterações das regras trabalhistas”, afirma a presidente da Anadep, Rivana Ricarte.

Ela reforça que o momento de crise sanitária e econômica não seria oportuno para restringir o acesso à Justiça, frente ao aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade. “Muitas famílias na pandemia tiveram que acionar os defensores para conseguir acesso à saúde, por exemplo. Se a limitação proposta pela MP estivesse valendo, grande parte dessas pessoas não conseguiria ter o devido acesso à Justiça”, diz.

Consequências na Justiça Previdenciária

As restrições para a obtenção da justiça gratuita podem afetar também o beneficiários do INSS, em especial, os mais necessitados.

A advogada da área previdenciária Thais Riedel, que é presidente da Associação Confederativa Brasileira da Advocacia Previdenciária, as mudanças são um retrocesso à garantia de direitos e não poderiam ser feitas por uma medida provisória, já que a Constituição veda temas de Direito Processual Civil em MPs.

“A gratuidade de Justiça é um direito previsto na Constituição e um dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Qualquer medida que restrinja esse acesso precisa ser muito bem avaliada, sob pena de destinar a Justiça apenas para quem pode pagar”, ressalta para o Uol Economia.

A advogada lembra que muitos processos exigem prova pericial, e as custas das perícias precisam ser pagas para o ingresso da ação. “Perícias são, em geral, muito caras. Muitas famílias, especialmente quando estamos vivendo uma crise econômica brutal, com 14,8 milhões de pessoas desempregadas, não terão condições de arcar com essa despesa para acessar a Justiça”, pontua. Ela também destaca que o INSS é o maior litigante do país.

Em nota pública, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) também repudia as inserções da MP. Segundo a associação, tal limitação representa “o aniquilamento dos direitos sociais fundamentais”. Negar a gratuidade da Justiça violaria não só o acesso a ela, como também o princípio constitucional da máxima proteção social.

Com as mudanças, o instituto entende que “o acesso à Justiça se tornará um risco inerente ao medo de ter que arcar, por exemplo, com as custas dos honorários do perito, do ônus da sucumbência, além das custas processuais que precisarão ser adiantadas”. Isso agravaria a exclusão social dos desfavorecidos, especialmente em causas relativas ao INSS.

“O processo previdenciário não pode ser um fantasma, um medo sobre o risco de o segurado ou seus dependentes terem que arcar com os custos dos honorários de sucumbência ou da perícia médica”, ressalta para o site de noticias jurídicas Conjur.