A poupança, ou caderneta de poupança, é o investimento mais antigo e popular dos brasileiros. Em 12 de janeiro de 1861, Dom Pedro II assinou o decreto estipulando a criação da Caixa Econômica Federal e da caderneta de poupança. O objetivo era permitir o acesso das classes mais pobres à possibilidade de economizar valores de forma segura, pois, sob a garantia do Governo Imperial, o dinheiro seria devolvido quando seu dono o desejasse.
Os juros prometidos no decreto de Dom Pedro eram de 6% ao ano. Infelizmente, isso não se manteve até os tempos modernos. Em 2020, o rendimento da poupança ficou em 2,11% ao longo do ano – menor do que a prévia oficial da inflação do ano, de 4,23%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Apesar de seu rendimento ser historicamente baixo comparado a outras modalidades de investimento, a tradição e a praticidade pesam na hora de buscar uma opção segura para guardar dinheiro.
A poupança: a queridinha dos brasileiros (antigamente)
Em tempos aonde não existiam opções de investimentos para a maioria da população, e muito menos informação sobre eles, a poupança foi a preferida para guardar os sonhos dos brasileiros em forma de dinheiro. De fato, antigamente, a poupança conseguia dobrar o capital investido no período de 4 anos.
A palavra “caderneta” foi acrescentada por conta do material que recebiam para controlar as anotações de deposito e retiradas. Isso foi útil por muitas décadas, pois segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), os bancos brasileiros começaram a investir em informatização por volta de 1983.
Foi na década de 1980 que a correção monetária da poupança passou de mensal para diária, devido a altíssima inflação da época. Porém, para obtê-la, os recursos precisavam permanecer depositados por no mínimo, um mês. Esta foi a década que antecedeu um ousado plano de contenção da inflação, que afetaria as poupanças de milhões de brasileiros.
A Era Collor e a poupança confiscada
Fernando Collor de Mello acabava de ser eleito presidente do país, tomando posse em março de 1990. O que ninguém esperava era que, um dia após a solenidade, ele implantaria um pacote econômico que deixaria milhões de brasileiros em pânico.
O pacote era o quarto dentro de apenas cinco anos, e tinha o nome de Plano Brasil Novo, mas ficou conhecido popularmente (e até hoje) como Plano Collor. Ele continha 27 medidas econômicas. Entre elas, foi anunciado o congelamento por 18 meses de 80% dos depósitos das contas correntes e poupanças que excedessem o valor de 50 mil cruzados novos.
Esta medida limitou os saldos e saques a NCZ$ 50 mil (cruzados novos), com a retenção do saldo restante por 18 meses, sob correção e juros de 6% ao ano. Os montantes acima deste valor foram transferidos ao Banco Central.
O objetivo era restringir o consumo do brasileiro, suprimindo a circulação de moeda e assim baixar a inflação.
Deu certo? A resposta é: sim e não.
O que deu certo?
Em um primeiro momento do pacote econômico, a inflação despencou de 84% ao mês para 3%. Não durou muito, ela voltou a subir a médio e longo prazo, e no ano de 1993, a inflação já estava em 200% ao mês.
O que não deu certo?
Os economistas não levaram em conta conceitos como a liquidez da moeda e o estoque de moeda. A liquidez tem a ver com a velocidade de circulação da moeda. Quando ela perde a confiabilidade por parte da população, ela tende a circular mais, como uma “batata quente”: As pessoas “se livram” da moeda considerada ruim, com medo que perca logo o valor, para investir em algo mais confiável, como era na época, ouro e dólares.
Consequências do confisco das poupanças
A jornalista Miriam Leitão falou à respeito do plano econômico de 1990 no livro Saga Brasileira: A Longa Luta de Um Povo por Sua Moeda (2011) como “o pior dos planos econômicos já feitos no Brasil”, e ainda se refere ao pacote como “arbitrário”, “ditatorial” e “tresloucado”.
Os recursos bloqueados pelo Banco Central acabaram sendo devolvidos em parcelas corrigidas pela inflação, mas os estragos estavam feitos. Empresas quebraram, eventos foram cancelados, quem havia vendido imóveis ou veículos ficou sem receber, credores e fornecedores não foram pagos. Muitos entraram em depressão profunda, tiveram ataques cardíacos ou cometeram suicídio.
O prejuízo foi incalculável, e em alguns casos, irreversível. Muitas pessoas tinham em suas poupanças todas as suas economias de uma vida. Pode-se dizer que, o confisco da poupança não seu limitou a surrupiar dinheiro, mas acabou com sonhos de milhares de brasileiros. Até hoje, existem muitos relatos de pessoas que afirmam não terem recebido todo o seu dinheiro de volta, corrigido como deveria.
Cadê meu dinheiro?
André Zambon, perito profissional da Zambon Pericia e Avaliação, trabalha com recursos de expurgos inflacionários do Plano Collor I e fala em seu site sobre as intrínsecas ao confisco:
“O chamado confisco foi tão traumático que, muitas pessoas acabaram por não perceber ou, por esquecer, outro problema tão, ou igualmente perverso pela ótica econômica: a perda do poder de compra de cerca de 44,8%, decorrente da inflação aferida em abril e não reposta no mês de maio de 1990″.
Reputação da poupança hoje
Com o aumento da taxa básica de juros (Selic) para 4,25%, a rentabilidade da poupança aumentará um pouco, passando a ser de 0,25% ao mês e 2,98% ao ano.
Apesar disso, vale lembrar que a poupança vem perdendo para a inflação há meses. Já são 9 meses seguidos que a modalidade amarga uma queda no poder de compra.
Pela regra em vigor desde 2012, quando a Selic está abaixo de 8,5% a correção anual da caderneta de poupança é limitada a um percentual equivalente a 70% dos juros básicos mais a Taxa Referencial (TR, que está em zero desde 2017).
Apesar de tudo isso, por que muitos ainda referem a poupança? De acordo com o estudo da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), 27% das pessoas que investem na poupança dizem que o fazem por facilidade e comodidade – na maioria dos casos, quem tem uma conta poupança usa uma conta-corrente vinculada a ela, assim, é possível programar uma reserva mensal ou fazer a transferência entre contas.
Comodidade, tradição ou falta de conhecimento sobre outros tipos de investimentos também são fatores consideráveis. Segundo a pesquisa da Anbima, o investidor brasileiro é tradicional. A grande maioria, 71%, vai até o banco para fazer suas aplicações, apesar do susto do confisco que aconteceu à 31 anos atrás.