A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta, 8 de abril, por 324 votos a favor, 137 contra e duas abstenções, o texto-base do Projeto de Lei 4.330/04, que regulamenta a terceirização no país. Pontos polêmicos da proposta, no entanto, tiveram a votação adiada para a próxima terça-feira, dia 14, como por exemplo aquele que estende a possibilidade de contratação de terceirizados para todas as atividades, até mesmo as finalísticas. Além disso, o projeto amplia a terceirização inclusive nas empresas públicas e sociedades de economia mista nos âmbitos da União, estados, Distrito Federal e municípios, o que representa uma ameaça à realização de concursos nessas instituições, gerando críticas de especialistas e parlamentares. Órgãos públicos, autarquias e fundações não serão afetados caso o texto que trata da questão não seja alterado.
O retorno do projeto à pauta da Câmara trouxe de volta também o medo de que a sua aprovação decrete o fim dos concursos públicos. Porém, no caso dos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional, as seleções democráticas foram resguardadas já no primeiro artigo do projeto de lei. Sendo assim, instituições como Polícia Federal, Instituto Nacional do Seguro Social e Banco Central permanecem podendo terceirizar apenas atividades-meio, a exemplo de copa, limpeza e recepção.
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Por outro lado, espera-se que a entrada em vigor da lei tenha grande impacto nas empresas públicas em geral, tais como Correios, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobrás. O presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Alexandre Crispi, acredita que essas instituições farão uso imediato dessa prerrogativa. “Isso vai prejudicar 50 mil candidatos que assumiriam vagas nessas empresas nos próximos cinco anos”, apontou ele, acrescentando que a medida afetará, ao todo, 8 milhões de candidatos que estudam para concursos atualmente no país.
Anpac alerta que estatais vão virar cabides de emprego
Segundo Crispi, o maior receio da Anpac é que com a liberação irrestrita das terceirizações, as estatais se tornem ‘cabides de emprego’, com a contratação de diversos apadrinhados políticos. “Serão feitas articulações políticas para a inclusão de pessoas nessas instituições por meio das empresas terceirizadas. Voltaremos à época dos trens da alegria”, alertou. “Se essa lei for aprovada do jeito que está, será o maior retrocesso na história dos concursos públicos”, lamentou ele.
O vice-presidente da Anpac informou ainda que a associação vem trabalhando para que as empresas públicas sejam excluídas do projeto de lei. “A Anpac concorda com a lei, mas não para as empresas públicas.” Ele afirmou que caso não seja possível a modificação na Câmara, as negociações seguirão sendo feitas no Senado e, caso necessário, no Executivo, por ocasião da sanção presidencial.
E a luta dos críticos ao projeto de terceirização não deve acabar após a eventual promulgação da lei. Isso porque ela pode ter a sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), já que o Artigo 37 da Constituição estabelece a necessidade de concurso também para o ingresso em emprego público, como são denominados os vínculos nas estatais. “Ainda aí o ingresso depende de concurso. A Constituição é expressa”, afirmou a diretora-geral do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC), Maria Garcia. “A aprovação dessa lei vai trazer muita discussão”, observou.
Ela explicou que a constitucionalidade da futura lei poderá ser questionada pelas autoridades e instituições elencadas no Artigo 103 da Constituição, estando entre eles confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional. É o caso, por exemplo da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef), que está acompanhando de perto a tramitação da proposta no Congresso Nacional e que é contra a terceirização no serviço público. A entidade argumenta que a reposição da força de trabalho por meio de concursos é um dos itens prioritários da pauta de reivindicações da maioria dos servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Antes mesmo da aprovação do projeto de lei, a terceirização em atividades-fim já foi verificada nos Correios. Em outubro do ano passado, a juíza Audrey Choucair Vaz, da 15ª Vara do Trabalho de Brasília, determinou a convocação de aprovados em cadastro de reserva após a constatação do uso de terceirizados em funções que deveriam ser desempenhadas por concursados. A empresa nega o uso de terceirizados em atividades-fim e já informou que irá recorrer da decisão. De acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), a empresa possui cerca de 30 mil terceirizados atuando na atividade-fim.
Para Fentect, projeto vai ‘escancarar’ terceirização
O secretário-geral da Fentect, José Rodrigues, também criticou o projeto, dizendo que a sua aprovação irá “escancarar” a terceirização nas estatais. “Cairão por terra todas as decisões que impedem o uso de terceirizados em atividade-fim”, observou, afirmando que, no caso dos Correios, em alguns estados já há decisões transitadas em julgado impedindo a terceirização, por ora irregular. “As empresas irão à Justiça para reverter essas decisões.”
Ele avaliou que a promulgação da lei poderá sim, no caso dos Correios, sepultar os concursos para a contratação de servidores efetivos, lembrando que atualmente a estatal planeja, inclusive, realizar uma seleção para a contratação de temporários. “Se houver concurso, vai ser no menor número possível. E com isso vai aumentar a precarização do serviço”, apontou ele, justificando a avaliação com a elevada rotatividade dos terceirizados.
Segundo José Rodrigues, a Fentect se reuniu com parlamentares de partidos como PT, PC do B e Psol que se disseram contrários ao projeto de lei. Ainda assim, o sindicalista afirmou que não há perspectiva do projeto ser barrado na Câmara. Ele disse ainda que caso a lei seja sancionada, a Fentect irá propor ação de inconstitucionalidade. “A possibilidade jurídica que houver, nós vamos buscar.”
De autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), o projeto de lei tramita na Câmara há dez anos, sendo fruto de projeto anterior, de 1998. A discussão no âmbito da Casa deverá, no entanto, ser finalmente concluída, já que, segundo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o projeto será o único item da pauta até que a sua votação seja finalizada. A proposta divide opiniões inclusive com relação a seus efeitos na iniciativa privada, sobretudo nas questões ligadas à garantia de direitos dos trabalhadores.
PT vai ao STF para tentar impedir a votação do projeto
O deputado Alessandro Molon, vice-lider do PT na Câmara, afirmou na última quarta, 8, que irá impetrar mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a votação do projeto ou anular o seu resultado por questões regimentais. O partido é contra o projeto por entender que ele promoverá precarização do ambiente de trabalho e injustiça social.
As informações são da Folha Dirigida