O Brasil conta hoje com cerca de 30 fábricas de vacinas para gado e somente duas para desenvolvimento de imunizantes para seres humanos. São elas a Bio-Manguinhos, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e o Instituto Butantan. Ambas estão sendo usadas na fabricação de vacinas contra Covid-19, mas dependem da importação de insumos da China.
A pandemia de Covid-19 mostrou que o Brasil só estaria preparado se o novo coronavírus acometesse bois e não humanos. Isso porque, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), praticamente 100% das vacinas para gado fabricadas no Brasil são inteiramente produzidas nas quase 30 fábricas espalhadas pelo país — a maioria na região Sudeste.
“Todo o processo de fabricação, da semente de trabalho do vírus vivo ao envase e distribuição, é feito aqui. Para mais de 90% das vacinas voltadas a gado, o ciclo completo de produção ocorre em território brasileiro”, disse à BBC News Brasil o vice-presidente executivo do Sindan.
O cenário visto atualmente é diferente daquele registrado na década de 1980, quando o Brasil contava com pelo menos cinco institutos capazes de produzir vacinas para humanos. Hoje, das 17 vacinas fabricadas no Instituto Butantan e no Bio-Manguinhos, apenas 4 não dependem da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) de outros países.
“O problema do Brasil é que a gente importa tudo. Nos últimos anos, reduzimos em 50% a capacidade de produção nacional de vacinas. Temos só duas fábricas. No setor veterinário, temos inúmeras fábricas”, diz à BBC News Brasil Ana Paula Fernandes, pesquisadora do Centro de Tecnologia em Vacinas e Diagnóstico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Durante a década de 1980, o Brasil investiu na autossuficiência na fabricação de vacinas para humanos, inclusive, produzindo os insumos em território nacional.
“Tanto para o Butantan quanto para a Fiocruz os investimentos da década de 1980 foram um marco. O Brasil possuía um parque farmoquímico para produção de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo)”, disse à BBC News Brasil Tiago Rocca, gerente de parcerias estratégicas e novos negócios do Butantan.
Com a eleição de Fernando Collor em 1989 o cenário mudou drasticamente no Brasil. A partir de março de 1990, Collor promoveu abertura econômica do país, permitindo a entrada de diversos produtos importados, o que causou a falência de indústrias nacionais. Enquanto isso, a Índia e a China foram na direção contrária, estabelecendo-se como grandes produtores de imunizantes.
“A abertura da economia no governo Collor foi feita sem cuidado, sem verificar como os diferentes segmentos seriam afetados. Na indústria farmacêutica, o que fizemos foi secar a capacidade de produção nacional e passar a importar tudo através das multinacionais”, explicou à BBC News Brasil Gonzalo Vecina Neto, fundador da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).