Depois da pandemia da Covid-19, o INSS enfrentou algumas mudanças em relação às perícias médicas necessárias para muitos benefícios. Isto é, para que um cidadão receba o auxílio doença (atualmente chamado de benefício por incapacidade temporária), por exemplo, é necessário demonstrar a impossibilidade de trabalhar, em razão da doença. Por esse motivo, então, a perícia de mostra necessária.
Contudo, com a pandemia, houve suspensão das atividades presenciais, de forma que o INSS passou a admitir provas documentais para conceder o benefício. Assim, o contribuinte poderia enviar um laudo médico que demonstrasse a incapacidade.
Então, com o avanço da vacinação foi possível visualizar uma diminuição nos casos, o que resultou no retorno de muitas atividades presenciais. Dentre elas, a perícia médica do INSS. No entanto, muitos peritos criticaram esta decisão e, agora, também, questionam a possibilidade de cobrança do serviço. Esta iniciativa se deu a partir de um projeto de lei do deputado Hiran Gonçalves (PP-RR).
O que diz o projeto de lei?
O Projeto de Lei 3.914/2020 estabelece que todos que desejarem receber um benefício do INSS deverão arcar com os custos das perícias médicas. Atualmente, o serviço faz parte dos trabalhos do Instituto, de forma que o interessado não precisa gastar com nada.
Além disso, perícias que acontecem pelo Poder Judiciário devem ser custeadas pelo próprio Tribunal de Justiça em que ocorre o procedimento, para todos que possuem gratuidade de justiça.
Além disso, a Lei 13.876/2019 determinou que o Poder Executivo deveria arcar com perícia médica em processos de benefício por incapacidade. A determinação duraria dois anos, portanto, de acordo com a sua data de publicação, termina hoje, 23 de setembro.
É o que a medida indica a seguir:
“Art. 1º. O pagamento dos honorários periciais referentes às perícias já realizadas e às que venham a ser realizadas em até 2 (dois) anos após a data de publicação desta Lei, nas ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) figure como parte e que sejam de competência da Justiça Federal, e que ainda não tenham sido pagos, será garantido pelo Poder Executivo federal ao respectivo tribunal.”
O que o Senado entende sobre a medida
Depois da aprovação da Câmara dos Deputados, a proposta de cobrar a perícia seguiria para o Senado. Dessa forma, o plenário discutiria e votaria o tema, com relatório do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). No entanto, antes disso o senador Paulo Paim (PT-RS) requereu um debate na casa legislativa.
Na ocasião, portanto, a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) fez a sugestão para que o Governo Federal redigisse uma Medida Provisória para prorrogar o prazo até o fim do ano. Além disso, a senadora já se demonstrou contrária à proposta, declarando “não me peçam para colocar a digital em algo tão cruel e tão indigno quanto isso”.
Lei pode ser considerada inconstitucional
Indo adiante, o senador Paulo Paim entende que o projeto de lei fere os entendimentos da Constituição Federal. Isto ocorre visto que, se o PL 3.914/2020 se concretizar, o contribuinte do INSS precisará arcar integralmente com a avaliação do perito.
Contudo, o senador acredita que esta determinação não condiz com a realidade do Brasil, que, atualmente, passa por uma crise econômica e sanitária. Nesse sentido, ele explica que cobrar o serviço para aqueles de menor poder aquisitivo é contraditório.
“Calcule: O cidadão está desempregado e tem que pagar adiantadamente o perito. Nunca vi isso, estou com quase 40 anos de Parlamento, nunca vi isso que surge agora, em plena pandemia. O projeto estabelece que o segurado precisa pertencer a família de baixa renda, restringe o conceito de baixa renda para que as pessoas tenham de comprovar renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.”
OAB também se manifesta contra a medida
Apesar da aprovação pela Câmara dos Deputados, também um representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já se manifestou sobre a medida. Assim, para o presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB, Tiago Beck Kidricki, a instituição não estaria de acordo com o projeto de lei.
Isto é, o advogado entende que, apesar da celeridade do processo ser importante, ela não deve ocorrer em detrimento de outros direitos constitucionais. Portanto, a medida, se prosseguir, poderá prejudicar os trabalhadores que necessitam dos serviços públicos. Além disso, Tiago Beck Kidricki frisou que a OAB não recebeu nenhum convite a fim de debater o tema na Câmara dos Deputados.
Assim, ele declara que “como advogado, me sinto constrangido por ter que vir aqui e explicar as fragilidades a direitos caros que estão sendo retirados. Isso é uma afronta aos direitos dos trabalhadores e a OAB defende outras alternativas. Com esse projeto, estamos criando duas categorias de justiça gratuita. Não aprovem os jabutis porque, se não houver acordo, vamos entrar com ação.”
Peritos também criticam a possibilidade
Por fim, ainda, o vice-presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos (ANMP), Francisco Eduardo Cardoso Alves, também apresentou suas críticas à medida. Nesse sentido, o vice-presidente da ANMP entende que o projeto de lei irá trazer obstáculos para o acesso à Justiça.
Ademais, é possível verificar, por informações do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), que o atual preço de uma perícia médica gira chega a R$ 200. Isto é, uma quantia significativa para todos aqueles de baixa renda, grande parte dos trabalhadores brasileiros.
No entanto, este valor pode ser ainda maior se o contribuinte não tiver o direito à gratuidade de justiça. Assim, nestes casos, o serviço pode chegar a R$ 2.900.
Desse modo, é possível de verificar a dificuldade de um trabalhador brasileiro no caso de negativa do INSS para a concessão do benefício por incapacidade. Isto porque este precisaria recorrer ao Poder Judiciário e, em alguns casos, precisar pagar até R$ 2.900 de custas judiciais.
Por esse motivo, Francisco Eduardo indica que “a ANMP não concorda com essa parte do PL, pois é um absurdo pedir que o cidadão pague antecipadamente uma perícia, quando o ajuizado é um órgão público. Quem tem que arcar com essa perícia são o INSS e o Judiciário, que requisitam o atendimento”
Por fim, ele acrescenta que “estão confundindo a esfera pública com a privada”.