Lançada no início de junho, uma campanha está levantando recursos para a criação da Free Black University, “um centro de produção de conhecimento transformador e radical”, na definição de seus criadores. A vaquinha on-line arrecadou mais de £95 mil (mais de R$ 641 mil, na cotação 13 de julho) em 40 dias. Pretende arrecadar £250 mil para colocar a iniciativa em funcionamento ainda no segundo semestre de 2020.
Inicialmente, a Free Black University pretende oferecer aulas online gratuitas, construir uma biblioteca digital, criar um jornal e um podcast, e realizar uma conferência anual com pensadores negros.
O currículo será focado em abordagens históricas, sociológicas e filosóficas da luta negra, mas pode vir a incluir áreas ligadas à criatividade e a outras ciências.
No futuro, os organizadores pensam em dar entrada na solicitação que daria à instituição o título oficial de universidade e o poder de conceder diplomas. No Reino Unido, isso passa pela Agência de Garantia da Qualidade para o Ensino Superior, órgão que controla o padrão de qualidade das universidades. Até lá, deve operar como uma instituição de formação livre.
Além das atividades acadêmicas, um aspecto importante do projeto é criar um espaço de cuidado e comunidade para os estudantes, conectando-os a terapeutas, conselheiros e outros profissionais negros para apoiá-los caso precisem. Essas medidas levam em conta o impacto do racismo na saúde mental.
No futuro, se houver recursos, o objetivo é contar também com uma sede física com salas de aula, livraria, restaurante e áreas de convivência em um dos bairros mais racialmente diversos de Londres, como Brixton.
Até o momento, a maior parte do dinheiro veio de apoiadores individuais. Um dos objetivos do projeto, porém, é conseguir que universidades britânicas contribuam com uma quantia anual para financiá-lo como medida de reparação por seu passado colonial e por não atender, ainda hoje, adequadamente às demandas de alunos não brancos.
Como surgiu a ideia da universidade livre
A iniciativa surgiu entre acadêmicos e estudantes do Reino Unido e está sendo organizada por Melz Owusu, uma jovem pesquisadora de 25 anos formada em Política e Filosofia pela Universidade de Leeds e que iniciará seu doutorado na Universidade de Cambridge em outubro de 2020.
Com base em sua própria experiência e de outros estudantes negros no ensino superior britânico, Owusu vem se engajando há alguns anos na decolonização do currículo acadêmico das universidades britânicas, buscando expandir as perspectivas de conhecimento.
Menos de 1% dos professores que lecionam nas universidades britânicas são negros e apenas um quinto delas se comprometeu a reformular seus currículos com base em uma abordagem crítica ao colonialismo. Segundo Owusu, estudantes negros saem traumatizados da universidade no Reino Unido.
Com o tempo, a acadêmica se deu conta de que a tentativa de transformar a instituição por dentro não estava funcionando, porque as universidades do Reino Unido têm sua estrutura fundada no colonialismo. Instituições de ensino superior britânicas de prestígio se beneficiaram de doações de grandes proprietários de escravos e foram um dos centros de desenvolvimento de teorias eugenistas.
Segundo pesquisadores como Owusu, essa herança ainda perdura de diversas formas – por exemplo, na grade curricular das instituições, na composição do quadro docente e nas homenagens a figuras ligadas ao colonialismo presentes em estátuas, nomes de auditórios e bolsas.
Foi então que surgiu a ideia de uma instituição de ensino centrada na proposta de um currículo decolonial, nos estudantes negros e suas necessidades.
Esse currículo ainda está em construção, mas, segundo seus teóricos, a proposta decolonial na educação basicamente busca rever a hierarquia de conhecimento estruturada pelo colonialismo, que desvalorizou a experiência e os saberes de povos colonizados.
A iniciativa já vinha sendo discutida entre pesquisadores, estudantes ativistas e egressos de universidades britânicas, mas foi alavancada pela visibilidade que o movimento Black Lives Matter atingiu após o assassinato do americano George Floyd pela polícia, no fim de maio.
Owusu afirma que a decisão de divulgar o projeto na esteira dos protestos, ocorridos em várias cidades do mundo para afirmar que vidas negras não são descartáveis, veio do aumento da compreensão coletiva do quanto o racismo está enraizado na sociedade.
“Os olhos do mundo estão voltados para as maneiras pelas quais podemos fazer as vidas negras realmente importarem, e acho que uma delas é através de uma educação transformadora”, disse a pesquisadora ao jornal The Guardian. *As informações são do Nexo Jornal