A pandemia da Covid-19 impôs uma nova modalidade de trabalho para muitos profissionais: o home office. Embora boa parte deles tenha se adaptado bem e aumentando até a sua produtividade, as normas para este tipo de trabalho ainda são novidade para a maioria das empresas.
Em todos estes meses, muitas situações envolvendo o “teletrabalho”, como fala a Medida Provisória (MP) 1046/21, foram levadas para a Justiça do Trabalho, gerando advertências e demissões, até com justa causa.
O artigo 482 da Consolidação da Lei do Trabalho (CLT) que prevê a demissão por justa causa, possui 13 situações em que essa medida é aplicável, entre elas desídia e insubordinação.
O trabalhador demitido por justa causa, perde praticamente todos os direitos de rescisão, recebendo somente, o salário e férias vencida, com acréscimo do terço constitucional.
Dados do Tribunal Superior do Trabalho demonstram que o número de demissões por justa causa vem aumentando nos últimos meses. Neste ano, foram 47.554 desligamentos justificados entre abril e junho, enquanto em 2020 o mesmo período teve 41.491 demissões por justa causa.
A pandemia criou situações até então inéditas nas relações trabalhistas e desafiou advogados e a própria Justiça do Trabalho a se adaptarem para atender às demandas. Também, como relata o site de advogados associados Azevedo Neto, sediado na cidade de São Paulo, houve um aumento significativo no número de consultas no escritório sobre punições aos funcionários insubordinados ou desidiosos.
Entre os motivos para os desligamentos, estão a burlagem do home office, mentiras para evitar o retorno ao trabalho presencial e quebra de isolamento domiciliar em função de contaminação.
“Situações que já existiam antes da pandemia, como mentir à empresa para viajar e fraudar atestado para ter folga aconteceram. Mas a justa causa é a pena máxima da relação de trabalho. Em alguns casos extremos se aplica, mas geralmente é preciso antes advertir, suspender”, afirmou o advogado trabalhista Leonardo Ribeiro ao Jornal A Tribuna.
A advogada Marta Vertamarti destacou que, apesar da frequente dificuldade das empresas em acompanhar a jornada dos funcionários que estão trabalhando a distância, é preciso ter estabelecer um controle claro dos horários.
“A empresa precisa criar mecanismos para controlar a jornada, ligado a um sistema. Casos de burlagem ao home office, se a pessoa foi para outro lugar, por exemplo, só são passíveis de justa causa, caso a empresa tenha esse controle de jornada para comprovar”, afirmou.
Entre os relatos de demissões por justa causa que ocorreram durante a pandemia, segundo uma advogada, está o caso de um empregado que estava em regime de home office, mas foi flagrado na praia, usando o celular para logar no sistema da empresa e afirmar estar trabalhando. Neste caso, a demissão foi justificada.
Muitas empresas afastaram funcionários pertencentes aos grupos de risco frente à Covid-19 para o trabalho à distância. Mas, segundo advogados, houve demissões de pessoas que declararam ter comorbidades, mas frequentaram festas clandestinas na pandemia, fazendo postagens em churrascos e aglomerações.
Nestes casos, a justiça pode entender que há má fé por parte do funcionário e confirmar a demissão por justa causa, caso ocorra.
A Justiça do Trabalho confirmou a demissão por justa causa contra uma funcionária de um supermercado que apresentou atestado alegando a necessidade de isolamento domiciliar por ter contato com uma pessoa infectada pela Covid-19, mas realizou uma viagem com o namorado no período.
A mulher foi ainda condenada a pagar multa de 10% do valor da causa por “litigância de má-fé, a ser revertida a entidade pública ou filantrópica para o combate à pandemia”.
O caso foi registrado na cidade de Brusque, em Santa Catarina. O juiz Roberto Masami Nakajo entendeu que a atitude é uma ‘falta gravíssima’ e passível de demissão por justa causa.
“A empresa continuou a pagar seu salário e, em contrapartida, esperava-se que a autora mantivesse isolamento, um ato de respeito em relação ao próximo e à toda sociedade, e atitudes como esta, contrárias às orientações das autoridades sanitárias, podem levar à uma elevação dos níveis de infecção e a novas restrições”, justificou o juiz Roberto Masami Nakajo em sua decisão.
Com o avanço da vacinação e o controle mais pronunciado da pandemia, neste ano, os trabalhos estão retornando aos escritórios físicos. Caso o empregador solicite que o colaborador volte a trabalhar presencialmente, o chamado deve ser cumprido ou pode levar a uma demissão por justa causa. Por não existir uma lei no Brasil que regulamenta o trabalho em tempos de pandemia, seja presencial ou remoto, o cenário é dificultoso para os empregados.
De acordo com o advogado trabalhista Thiago Lapenda, do Lapenda Advogados, para a volta do trabalho presencial, o empregador deve fornecer ao funcionário todos os aparatos sanitários para evitar o contágio com a doença.
“A relação de trabalho é uma relação contratual entre o empregador e o empregado. O empregador determina as condições pelas quais o trabalho será realizado, se vai ser em regime de home office ou presencial. O empregador está obrigado a fornecer ao empregado todas as regras de segurança, como higiene sanitária, distanciamento, uso de máscara, álcool em gel, fornecendo um ambiente de trabalho seguro para o empregado dentro das normas sanitárias nesse período de pandemia”, explica o advogado.
Além disso, o empregado não tem como optar por um regime home office, e caso recuse a volta ao presencial, pode ser demitido por justa causa. “O empregado não tem como optar em ficar fazendo home office se o empregador exigir que o trabalho seja presencial, a não ser que haja essa flexibilidade por parte do empregado. Mas caso seja obrigado a trabalhar em regime presencial, o empregado não pode optar e isso pode gerar uma demissão por justa causa. Além disso, o empregador pode exigir que o empregado tome a vacina e caso ele não se vacine, pode também gerar uma demissão por justa causa”, complementa Thiago Lapenda.
Quando o funcionário não concorda com a aplicação da justa causa, pode recorrer à Justiça para pedir a reversão em demissão sem justa causa, garantindo verbas indenizatórias. Cada caso é analisado individualmente.