O cenário das compras online em sites internacionais como Shein, AliExpress e Shopee está prestes a sofrer uma transformação significativa. A recente aprovação de um projeto de lei pela Câmara dos Deputados brasileira introduziu uma nova taxação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, o equivalente a cerca de R$ 260.
Essa medida visa equilibrar o campo de atuação entre varejistas nacionais e estrangeiros, colocando um ponto final na isenção fiscal anteriormente concedida a remessas de baixo valor.
O debate sobre a taxação de compras internacionais de baixo valor ganhou força em abril de 2023, quando o governo buscava meios para evitar que empresas burlassem a Receita Federal. Até então, remessas entre pessoas físicas de até US$ 50, sem fins comerciais, não sofriam taxação. No entanto, alegava-se que algumas empresas estavam realizando vendas disfarçadas como envios de pessoa física para contornar os impostos.
Compras dentro desse limite tornaram-se extremamente populares em sites de varejistas estrangeiros, como Shopee, AliExpress e Shein. Consequentemente, varejistas brasileiras passaram a reivindicar alguma forma de tributação desses produtos estrangeiros, alegando concorrência desleal.
Em resposta às preocupações levantadas, o governo criou o programa Remessa Conforme, que entrou em vigor em 1º de agosto de 2023. Empresas que aderiram a essa regulamentação ficaram isentas da cobrança de impostos em produtos de até US$ 50, desde que cumprissem uma série de normas, como fornecer transparência sobre a origem do produto, dados do remetente e discriminação de cobranças, como ICMS e frete, para que o consumidor soubesse exatamente quanto estava pagando em cada item.
Um dos efeitos positivos do programa, que contou com a adesão de grandes empresas de marketplace, como Shopee e Shein, foi a agilização das entregas, uma vez que a fiscalização da Receita Federal tornou-se mais fácil com as informações fornecidas pelas empresas.
Apesar dos benefícios do Remessa Conforme, setores da indústria e do comércio no Brasil continuaram insatisfeitos com a isenção concedida às empresas estrangeiras. Entidades representativas, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), apresentaram um estudo ao ministro Fernando Haddad, estimando até 2,5 milhões de demissões devido à isenção para empresas de fora do país.
Diante das pressões, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 914/24, que determina a cobrança do Imposto de Importação (II), com alíquota de 20%, sobre compras internacionais de até US$ 50. Além disso, essas compras continuarão sujeitas à alíquota de 17% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um encargo estadual já existente.
De acordo com o PL, cobranças acima de US$ 50 e até US$ 3 mil terão alíquota de 60%, com desconto de US$ 20 (cerca de R$ 100) do tributo a pagar. Acima desse valor, a importação é proibida pelos Correios e transportadoras privadas.
A cobrança do Imposto de Importação de 20% e do ICMS de 17% terá um impacto significativo no preço final dos produtos adquiridos em sites como Shein, AliExpress e Shopee. Segundo cálculos, um produto de R$ 100 (com frete e seguro incluídos) passaria a custar R$ 140,40 após a aplicação das taxas.
A gigante chinesa Shein, uma das principais beneficiadas pela isenção anterior, criticou a aprovação da medida, chamando-a de “retrocesso”. A empresa argumentou que 88% de seus clientes no Brasil pertencem às classes C, D e E, e que a nova carga tributária de 44,5% (somando Imposto de Importação e ICMS) representaria um risco para esses consumidores. Segundo a Shein, um vestido que custava R$ 81,99 (com ICMS de 17% incluso) passaria a custar mais de R$ 98 com a nova taxação.
Por outro lado, os varejistas nacionais defendem o fim da isenção para empresas estrangeiras. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a quantidade de itens de bens de consumo com valor de importação de até US$ 50 por unidade cresceu 35% em 2023, liderados pelos produtos da China (51,8% do total). O segmento com maior aumento foi o de itens de vestuário feminino, como calças, bermudas e shorts (alta de 407,4%).
“A isenção até US$ 50 é uma ofensa ao empresário brasileiro, que é o responsável por gerar emprego, renda e impostos para a economia brasileira”, declarou Felipe Tavares, economista-chefe da CNC.
Apesar de representar um avanço, a alíquota de 20% aprovada para compras internacionais de até US$ 50 não agradou a todos. Em comunicado conjunto com a CNC, a CNI classificou a decisão como “ineficiente” e um “passo bastante tímido” em direção à isonomia tributária e à equiparação com a produção nacional.
O Projeto de Lei 914/24 agora segue para apreciação no Senado Federal. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), informou que consultará as lideranças partidárias para definir se o projeto tramitará em regime de urgência ou não, o que pode acelerar ou retardar sua votação.
A nova taxação representa um desafio para empresas de comércio eletrônico internacional, como Shein, AliExpress e Shopee, que terão de reajustar seus preços e estratégias para permanecer competitivas no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, abre oportunidades para varejistas nacionais, que poderão concorrer em condições mais equilibradas.
Para os consumidores brasileiros, a taxação trará um aumento nos preços de produtos adquiridos em sites estrangeiros. No entanto, essa medida visa proteger a indústria e o comércio nacional, garantindo uma concorrência mais justa e a geração de empregos e renda no país.
Será necessário um período de adaptação, no qual os consumidores terão de reavaliar seus hábitos de compra e considerar opções nacionais ou estrangeiras com preços mais elevados devido à taxação. Aqueles que costumavam aproveitar as “comprinhas” de até US$ 50 terão de ajustar seus orçamentos ou procurar alternativas mais acessíveis.
Além das questões econômicas, a nova taxação pode ter impactos ambientais e sociais. Com preços mais altos para produtos importados, pode haver uma redução no volume de remessas internacionais, contribuindo para a redução da pegada de carbono associada ao transporte de mercadorias.
Adicionalmente, ao fortalecer a indústria e o comércio nacional, a medida pode gerar mais empregos e renda no país, beneficiando comunidades locais e impulsionando o desenvolvimento econômico regional.
É importante ressaltar que a implementação da nova taxação será um processo contínuo, sujeito a monitoramento e ajustes futuros. O governo e as autoridades competentes deverão acompanhar de perto os impactos da medida, avaliando sua eficácia em equilibrar a concorrência e proteger a indústria nacional, bem como seu impacto nos consumidores e na economia como um todo.
Ajustes nas alíquotas ou outras medidas complementares poderão ser necessários para garantir que os objetivos sejam alcançados de forma justa e equilibrada, levando em consideração os interesses de todas as partes envolvidas.
Ademais, a aprovação da nova taxação sobre compras internacionais de até US$ 50 representa um passo significativo na busca por um campo de atuação mais equilibrado entre varejistas nacionais e estrangeiros no Brasil. Embora a medida possa resultar em preços mais altos para os consumidores, ela visa proteger a indústria e o comércio nacional, garantindo a geração de empregos e renda no país.
À medida que a tramitação avança no Senado Federal, é crucial que todas as partes interessadas acompanhem de perto o processo e estejam preparadas para se adaptar às mudanças. Empresas de comércio eletrônico internacional, varejistas nacionais e consumidores terão de ajustar suas estratégias e hábitos de compra, enquanto o governo monitora os impactos e realiza ajustes conforme necessário.
Embora o caminho à frente possa ser desafiador, a nova taxação representa uma oportunidade de promover uma concorrência mais justa e sustentável no mercado brasileiro, beneficiando a economia nacional e protegendo os interesses de todos os envolvidos.