“Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo.”
Neste caso, um policial militar da Defesa Civil do Paraná, durante o expediente, deixou no Protocolo Geral do Palácio Iguaçu uma caixa para remessa pelo serviço de envio de correspondência da Administração Pública.
Entretanto, os servidores públicos responsáveis pela triagem, desconfiados do peso e do conteúdo da embalagem, abriram o pacote e constataram a existência de 36 frascos com líquido transparente.
Posteriormente, a perícia constatou que os frascos continham substâncias entorpecentes sujeitas a controle especial.
Assim, o juízo do Conselho Permanente da Justiça Militar da Comarca de Curitiba condenou o policial a três anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituídos por penas restritivas de direitos, em virtude da prática de tráfico de drogas cometido por militar em serviço.
Em contrapartida, a defesa sustentou a ilicitude da prova, em razão da inviolabilidade constitucional da correspondência.
Ato contínuo, na sentença, o juízo concluiu pela impossibilidade de o sigilo de correspondência legitimar práticas ilegais e destacou não estar em jogo a proteção da intimidade.
Isto se deu ao argumento de que não houve violação de comunicação escrita ou de conteúdo que veiculasse manifestação de pensamento.
Além disso, sustentou que a caixa, por qualificar-se como encomenda, não está inserida na inviolabilidade prevista na CF (artigo 5º, inciso XII).
Outrossim, o TJ/PR considerou a prova lícita e negou provimento à apelação interposta pela defesa.
Diante disso, a defesa reiterou no recurso interposto ao STF a tese de inviolabilidade da correspondência, aponta ofensa ao artigo 5º, incisos XII e LVI, da Constituição, pugnando pela absolvição do militar.
Inicialmente, para o relator, ministro Marco Aurélio, a inviolabilidade da correspondência versada no artigo 5º, inciso XII, da CF abrange comunicações entre pessoas, sejam elas realizadas mediante carta, telegrama, pacote ou meio análogo.
Assim, o dispositivo, para o ministro, não abre campo a controvérsias semânticas. Neste sentido, alegou:
“Não vivêssemos tempos estranhos seria desnecessário discutir se a inviolabilidade a envolver a intimidade, a privacidade e a livre expressão deve ou não ser flexibilizada. É inadequado manejar argumentos metajurídicos – no caso a suspeita quanto ao conteúdo do pacote –, no afastamento de garantia constitucional cujos contornos devem ser preservados.”
Ademais, o ministro destacou que o material aberto e apreendido estava protegido pela garantia constitucional e que, se existia suspeita, deveria ter sido buscada a via adequada de acesso ao conteúdo – qual seja, ordem judicial fundamentada, e não a violação.
Portanto, votou por dar provimento ao recurso, assentando a ilicitude da prova. O relator propôs a seguinte tese:
“É ilícita a prova obtida mediante abertura, sem ordem judicial, de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações”.
Marco Aurélio foi acompanhado integralmente pelo ministro Lewandowski.
Em seu voto, o ministro Edson Fachin observou que, no caso concreto, segundo relato do próprio tribunal de origem, a correspondência foi violada sem que fossem adotadas as cautelas legais, e sem que o ato fosse precedido de autorização judicial.
Assim, acompanhou o relator quanto ao entendimento pela ilicitude da prova. Mas o ministro apresentou entendimento e fundamentação distintos.
Para ele, a interpretação que tradicionalmente se faz do dispositivo constitucional em questão reconhece que seria possível ao legislador definir hipóteses fáticas em que a atuação das autoridades públicas não seriam equiparáveis à violação do sigilo.
Além disso, citou o regulamento dos Correios, o qual também prevê hipóteses em que a abertura de carta visa assegurar o funcionamento regular dos correios.
Quanto à CF/88, destacou que o sigilo de correspondência deve ser lido à luz dos direitos previstos nos tratados de direitos humanos.
Por conseguinte, deve seguir a interpretação a eles dada pelos órgãos internacionais de aplicação.
Em outras palavras, para o ministro, imperioso observar a necessidade de previsão legal de eventual restrição à inviolabilidade.