Aulas - Direito Penal

“Gato” de Energia Elétrica sob a Ótica do Direito Penal

De acordo com o art. 83, I, do Código Civil, a energia configura bem móvel.

Destarte, pode ser objeto do delito de furto, na medida em que o § 3º do art. 155 do Código Penal equipara a energia elétrica a qualquer outra coisa móvel que tenha valor econômico.

Outrossim, o art. 171 do Código Penal estipula que a energia elétrica pode ser objeto de delito de estelionato.

No presente artigo, trataremos acerca do “gato” de energia elétrica perante o Código Penal Brasileiro.

 

Furto Mediante Fraude

Dentre os crimes contra o patrimônio, o crime de furto é aquele que recebe em primeiro lugar a atenção do legislador.

Inicialmente, sob o prisma penal, o patrimônio tem maior enfoque sobre os bens, voltando-se para as coisas corpóreas e passíveis de apreensão pelo agente.

Com efeito, o crime de furto tem como elementares do tipo a subtração, a coisa alheia móvel e o fato de a coisa ter sido subtraída para o agente ou para outra pessoa.

Assim, estes pressupostos caracterizam o especial fim de agir do delito, consistente no ânimo de assenhoramento definitivo.

Vale dizer, o que se tutela no crime de furto não é apenas a propriedade, mas também a posse ou a mera detenção.

Portanto, o sujeito passivo do crime de furto é aquele que está com a coisa no momento da subtração, independentemente do título.

Ademais, o emprego da fraude na subtração qualifica o crime de furto, fazendo com que sua escala penal dobre em relação ao furto simples, previsto no caput do artigo 155, do Código Penal.

Por sua vez, fraude pode ser definida como o emprego de de qualquer meio ardiloso ou enganoso, de modo a iludira vítima ou mantê-la em erro, permitindo ou facilitando a subtração de um bem.

Em outras palavras, fraude consiste em uma manobra enganosa destinada a iludir alguém, configurando um modo particularizado de abuso de confiança.

Além disso, para qualificar o crime de furto, a fraude deve ser aplicada antes ou durante a subtração e para facilitar a subtração da coisa.

Finalmente, consuma-se o crime de furto quando, em razão da subtração, a vítima é privada da livre disponibilidade da coisa, ainda que momentaneamente, de modo que o bem  ingressa na esfera de disponibilidade do autor.

Estelionato

Por sua vez, o crime de estelionato, tipificado no artigo 171 do Código Penal, também está previsto no rol dos crimes contra o patrimônio.

Neste crime, a fraude constitui-se como elemento essencial, assim como no furto qualificado.

Todavia, no estelionato, o agente não se utiliza de ameaça ou intimidação, mas sim do engano para iludir a vítima e fazer com que ela disponha do seu patrimônio.

Portanto, o estelionato, em si mesmo, constitui uma fraude, na medida em que se configura com a ilusão da vítima e no prejuízo do lesado.

Outrossim, são elementos do crime de estelionato: obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro.

Dessa forma, o agente persuade a vítima, criando para ela uma falsa situação e fazendo-a acreditar nela, que acaba se deixando espoliar.

No entanto, para caracterizar o crime de estelionato, não basta que o agente induza ou mantenha a vítima em erro.

Isto é, além de induzir a vítima em erro, o agente também deve obter vantagem ilícita, que poderá ser em seu próprio benefício ou em benefício alheio.

Ressalta-se que a vantagem ilícita deve possuir cunho econômico, já que o crime é um crime contra o patrimônio.

“Gato” de Energia Elétrica: Qual o Crime?

Conforme exposto, no furto mediante fraude a coisa é retirada da vítima sem a sua anuência.

Por sua vez, no estelionato a própria vítima induzida pela fraude entrega o bem.

Destarte, o ponto crucial de distinção entre o furto mediante fraude e o estelionato é a atuação de vítima que distingue os delitos.

Com efeito, no caso de “gato” de energia elétrica, se ocorre o desvio de energia com ligação direta para a residência sem passar pelo medidor, o crime é de furto mediante fraude.

Vale dizer, ocorre o desvio de energia elétrica sem que ela passe do medidor, com subtração da energia, ou seja, no caso de ligação direta do poste para a residência.

Trata-se de latente furto mediante fraude, porquanto há subtração e inversão da posse do bem.

Contudo, se o agente faz com que a energia chegue, mas com quantitativo menor, viciando o aparelho medidor, estamos diante de estelionato.

Diante disso, conclui-se que a fraude, em se tratando de energia elétrica, é utilizada para subtrair a energia da concessionária.

Nesta hipótese, poder-se-ia afirmar, leigamente, que o medidor ficaria sem funcionar.

De outro lado, no caso de estelionato, a concessionária ludibriada entrega a energia, mas em menor quantidade.

Assim, nesta última hipótese, o medidor gira, todavia, em menor rotação que a correta.

Entendimentos Jurisprudenciais

No delito de estelionato, ocorre a adulteração no medidor de energia elétrica, de modo a registrar menos consumo do que o real, fraudando a empresa fornecedora (HC 67.829/SP, DJ 10/09/2007).

Destarte, o agente usa de artifício (finge uma situação de normalidade) para provocar um resultado de consumo a menor, para que o medidor não marque corretamente.

Essa distinção também foi realizada no AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019.

Neste caso, o STJ considerou que, no caso concreto, houve alteração (adulteração) no medidor de energia elétrica com redução do consumo de energia, induzindo a erro a companhia elétrica, o que configurou estelionato.

No caso, houve redução da quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita.

O caso dos autos não se tratou da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem.

Tratou-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, – fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal – CP.