A discussão sobre a Fórmula de Radbruch se reacendeu no Direito, quando o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás surpreendeu o meio jurídico com uma decisão inusitada.
Com efeito, esta Fórmula de Radbruch trata-se de um direito supralegal com poucos precedentes no país, com ênfase na rara utilização na seara criminal.
Inicialmente, ressalta-se que o direito do Brasil não é um direito normativo puro, mas um direito permeado por valores.
Assim, os princípios (constitucionais ou gerais do direito) não podem ser invocados e aplicados ao bel-prazer do julgador, pois possuem critérios objetivos de aplicação.
O autor desta fórmula é Gustav Lambert Radbruch, um jurista e filósofo do século XX que ele lutou incansavelmente pela restruturação da vida acadêmica alemã no pós-guerra.
Outrossim, uma das suas maiores contribuições foi a hoje chamada Fórmula de Radbruch, conforme passaremos a expor.
Assim, na base da equação está a seguinte discussão: quando a justiça, enquanto valor social, deveria se sobrepor ao direito positivado.
Isto é, em que momento e de que maneira a aplicação do direito supralegal deveria ocorrer para promover a justiça.
Precipuamente, o jurista teve cuidado em suas ponderações teóricas, estabelecendo critérios para a aplicação do direito supralegal.
Dessa forma, não à toa deu ares matemáticos à equação, chamando-a de fórmula. Fórmula essa que pode ser assim enunciada.
Em outras palavras, o conflito entre justiça e certeza jurídica pode ser resolvido na medida em que o direito positivo, assegurado pela legislação e pelo poder, tem prioridade mesmo quando o seu conteúdo é injusto e não beneficiar as pessoas.
Excepcionalmente, a menos que o conflito entre a lei e a justiça chegue a um grau intolerável em que a lei, como uma ‘lei defeituosa’, deva clamar por justiça.
Portanto, infere-se que na Fórmula de Radbruch o direito supralegal não deve ser aplicado diante de qualquer injustiça ou malefício.
Assim, a primeira parte do enunciado é bastante clara ao afirmar que o direito enquanto norma deve ser aplicado, ainda que injusto ou não benéfico, por uma questão de segurança jurídica.
Entretanto, se entre a lei e a justiça houver uma lacuna, ou seja, se a lei for nitidamente injusta, então ela não deverá se sobrepor à justiça.
Por fim, nesses casos, a norma injusta deve ser afastada.
Conforme verificaremos, a regra possui requisitos objetivos.
Assim, Radbruch toma cuidado para não recair em um subjetivismo arbitrário do julgador.
Destarte, podemos estabelecer duas premissas:
Portanto, quando o julgador se deparar com uma norma insuportavelmente injusta, ainda que legalmente válida, deve abster-se de aplicá-la.
Isso porque uma norma insuportavelmente injusta não é direito, pelo contrário.
Conquanto o cuidado para dar um ar positivo à fórmula, cabe analisar a hipótese de subjetivismo ou, nos termos de Lênio Streck, pamprincipiologismo na aplicação da Fórmula de Radbruch.
Primeiramente, o subjetivismo não é uma preocupação longínqua ou um problema do passado.
De outro vértice, trata-se de questão atual, sobretudo das preocupações crescentes do jurista Lênio Streck.
E, com efeito, em uma discussão sobre o uso da Fórmula de Radbruch no Direito Penal, não há como negligenciar do risco de subjetivismo.
Outrossim, não se pode aplaudir uma decisão garantista ou punitivista, a depender da vertente, sem que se meçam as consequências do precedente.
Aliás, Streck é categórico e critica veementemente a utilização sem critérios de princípios que, segundo ele, “não passam de álibis teóricos, despidos de normatividade”.
Além disso, para o autor, a utilização desmedida que se dá a princípios, tendo-os como sinônimos de valores, serve para legitimar teses por vezes sem qualquer fundamento de normatividade.
Por fim, a este fenômeno denominou pamprincipiologismo, um perigoso e atual precedente no nosso ordenamento jurídico.
Em que pese a definição critique o uso artificioso de princípios implícitos da Constituição, cabe estendê-la ao uso de princípios gerais do direito antecedentes ao nosso ordenamento, como o nosso objeto, a Fórmula de Radbruch.
Isso nos leva à discussão aos limites do direito supralegal.
Não se pode afirmar que a regra só poderia ser utilizada para beneficiar o réu sem nos aprofundarmos no contexto histórico.
No Brasil já levantaríamos contra essa hipótese duas grandes bandeiras constitucionais (e que não nos esqueçamos), a saber:
Art. 5º […]
[…] XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;
[…] XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
O direito supralegal baseado na Fórmula de Radbruch não pode ser invocado em prejuízo do acusado, sob pena de ferir o princípio da legalidade.
Portanto, é terminantemente proibido qualquer juízo ou tribunal de exceção no país.
Não há malabarismo jurídico ou pamprincipiologismo que possa sustentar uma aplicação supralegal do direito para condenar ou prejudicar o acusado.
Dessa forma, é nesse sentido que deve atentar-se o julgador, guiando-se sempre por uma ideia coletiva de justiça.
Assim, deve afastar o subjetivismo e a ideia individual de justiça, sempre atentando para não cair em pamprincipiologismos.
Em contrapartida, havendo insuportável injustiça na aplicação da lei ao acusado, é possível a aplicação do direito supralegal, em nome da Fórmula de Radbruch, para beneficiá-lo, ainda que a decisão seja contrária ao texto de lei.
Por fim, reitera-se: uma decisão válida, mas insuportavelmente injusta, deve ser afastada por não constituir direito.