Na sessão da última quinta-feira (19/11), os ministros Dias Toffoli e Edson Fachin apresentaram seus votos em recursos, com repercussão geral reconhecida (Temas 386 e 1021), em que se discute a possibilidade de mudança de data ou local de concurso público para candidatos que, em razão de sua crença religiosa, devem resguardar o sábado.
Na avaliação do ministro Toffoli, relator do Recurso Extraordinário (RE) 611874, a realização da prova em dia considerado de guarda para determinados grupos religiosos, por si só, não caracteriza violação do direito de culto.
Já o ministro Fachin, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1099099, considera que a implementação de medidas que assegurem a liberdade religiosa é compatível com o texto constitucional. O julgamento deve prosseguir na próxima quarta-feira (25/11), com os votos dos demais ministros.
No RE 611874, a União questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que entendeu que um candidato adventista poderia realizar a avaliação em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.
De outro modo, o ARE 1099099 foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado.
Ao proclamar o seu voto, o ministro Dias Toffoli ressaltou, inicialmente, que o Estado deve assegurar a liberdade dos indivíduos de crerem que o sábado (ou qualquer outro dia da semana) deva ser resguardado às atividades religiosas, ainda que se trate de grupo minoritário.
Todavia, não decorre desse fato o direito de exigir do Estado ou de particulares a modificação da forma de cumprimento de faculdades ou obrigações espontaneamente assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada.
Na avaliação do ministro, apesar de assegurar a liberdade de crença e de consciência e o princípio do livre exercício dos cultos religiosos, a Constituição Federal não estabelece, em nenhum momento, o dever estatal de promover condições para o exercício ou o acesso às determinações de cada instituição religiosa.
Assim, na visão do ministro, a possível limitação da prática religiosa em razão de previsão do edital de concursos, a depender das circunstâncias do caso concreto, não representa restrição intolerável à liberdade de crença. “Não se pode considerar violação do exercício do direito de culto, por si só, a realização de prova de concurso para ingresso em cargo público em data coincidente com o ‘período de guarda’, já que o dia selecionado previamente pela banca examinadora deve ser respeitado por todos os candidatos, indistintamente”, afirmou.
Da mesma forma, no entendimento do ministro-relator, a imposição de definição de data alternativa para os praticantes de crença religiosa também não se coaduna com o princípio da isonomia, e a previsão de regras específicas para atender exclusivamente a determinado grupo religioso configura distinção injustificada. “Admitir a criação de condições especiais ao exercício de faculdades legais embasada na crença religiosa significaria estabelecer privilégio não extensível aos que têm outras crenças ou simplesmente não creem”.
Portanto, para Toffoli, impor a todas as esferas da administração pública (municipal, estadual e federal) a obrigação de designar dia alternativo para a realização de provas de concursos públicos poderia onerar demasiadamente o poder público, que arcaria com os custos adicionais da operação para adequar a modalidade do concurso aos interesses do grupo religioso.
Diante disso, o ministro Toffoli votou pelo provimento do recurso extraordinário para reconhecer a inexistência de direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos dos determinados previamente por comissão organizadora de certame público ou vestibular por força de crença religiosa; no entanto, sem prejuízo de a administração pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público, como “solução harmônica e consentânea com a garantia constitucional de proteção à liberdade religiosa”. Além disso, o relator propôs a modulação da decisão para assegurar a validade das provas realizadas no caso concreto.
Na avaliação do ministro Edson Fachin, possibilitar alternativas a candidatos de certames não se trata de criar privilégio ou de estipular diferenciações para o provimento de cargos públicos, mas sim de permitir o exercício da liberdade de crença sem indevida interferência estatal. Nesse sentido, Fachin divergiu do voto do ministro Dias Toffoli, por entender que admitir a fixação de data alternativa para a realização de etapa de certame público ou de estágio probatório em razão de convicção religiosa não viola o direito à igualdade.
No entendimento de Fachin, a implementação de prestações positivas que assegurem a plena vivência da liberdade religiosa é não somente compatível, mas recomendada pelo texto constitucional (artigo 5º, inciso VII, e artigo 210, parágrafo 1º).
De acordo com o ministro Edson Fachin, a resposta para o caso deve levar em conta três critérios: a existência ou não de ofensa a um direito fundamental, de consenso em relação ao tema e, por fim, de risco efetivo para o direito de outras pessoas.
Na avaliação do ministro, no caso em tela, é evidente o conflito entre o direito à igualdade e o direito à liberdade de crença. Da mesma forma, não há dúvida acerca do consenso social em torno do tema. Nesse sentido, o ministro mencionou a experiência bem-sucedida da gestão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que, em 2009 passou a permitir aos sabatistas que realizassem o exame em horário alternativo e, posteriormente, passou a aplicar as provas apenas aos domingos.
No que se refere ao último critério, o ministro entende que não há risco efetivo ao direito de outras pessoas, nem ofensa ao princípio da isonomia. De acordo com o ministro Fachin, o princípio da laicidade determina o tratamento igualitário e respeitoso que deve ser dispensado pelo Estado às minorias religiosas.
Por essa razão, o ministro rejeitou também os argumentos de que o acolhimento desses direitos imporia ao Estado custos adicionais, porquanto, em sua visão, compete ao Estado propiciar condições materiais para viabilizar o pleno exercício dos direitos fundamentais de crença e culto.
Por fim, o ministro Fachin avaliou que a fixação de datas ou horários alternativos deve ser permitida, dentro de limites de adaptação razoável, após manifestação prévia e fundamentada de objeção de consciência por motivos religiosos. Da mesma forma, o administrador deve oferecer obrigações alternativas, para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório.
Fonte: STF
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