O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda mudar as regras dos concursos públicos para melhorar o acesso dos candidatos, ampliar a concorrência, dar segurança jurídica e permitir ao governo selecionar com maior efetividade seus funcionários.
Para isso, o governo pretende incorporar instrumentos adicionais de avaliação dos candidatos, permitindo o uso da tecnologia em algumas fases ou em todo o processo seletivo.
A intenção do governo Lula é dar continuidade ao projeto de lei n° 2.258/2022, já aprovado pela Câmara dos Deputados e que aguarda apreciação do Senado Federal. Se aprovadas, as regras valerão somente para os novos certames. O intuito é que as diretrizes sejam aplicadas para União, estados e municípios.
Isso será uma mudança significativa para todos os concursandos que se preparam e aguardam novas avaliações. Confira agora todos os pontos de mudança que o governo pretende implementar.
A versão atual do texto da lei mantém que os candidatos devem ser avaliados por seus conhecimentos, suas habilidades e suas competências. Veja como:
A realização de uma prova, seja ela escrita, objetiva, dissertativa ou oral, que cubram conteúdos gerais ou específicos, deve permanecer, como já ocorre hoje.
A comissão poderá medir a aptidão intelectual ou física para a execução de atividades do cargo, o que inclui testes físicos, elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto.
Outro aspecto reforçado pela lei e que já está em prática hoje é a realização de cursos de formação, de caráter eliminatório ou classificatório, com o objetivo de introduzir os candidatos nas atividades do órgão.
Aqui, a ideia é analisar aspectos comportamentais, conduzido por profissional habilitado, por meio de entrevista, avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico.
A inclusão destas avaliações adicionais, como testes de personalidade, avaliações de habilidades práticas ou entrevistas comportamentais, pode proporcionar uma visão mais completa dos candidatos, não se restringindo somente a testes de conhecimentos específicos.
A intenção do governo é que isso ajude a selecionar candidatos que estejam mais alinhados com a cultura e as necessidades do cargo exercido.
Outro dispositivo prevê que o concurso poderá ser realizado “total ou parcialmente” a distância, de forma online ou em plataforma eletrônica. O acesso deve ser individual, seguro, e em ambiente controlado, desde que garantida a igualdade de acesso.
Esta intenção é uma ideia progressiva que busca adaptar-se à modernidade, aumentar a inclusão e a eficiência no processo seletivo para o serviço público.
Porém, segundo integrantes do governo, ainda não há hoje um modelo de sucesso estabelecido para a realização de provas a distância, com garantia de segurança para o candidato e para a administração pública.
Para o governo, a principal vantagem de realizar etapas online é ampliar a concorrência. A implementação da tecnologia pode potencialmente tornar o processo de seleção mais eficiente e acessível.
Muitas pessoas que prestam concurso público não têm como arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e alimentação para se submeterem às seleções.
Exames on-line, por exemplo, podem permitir que candidatos de locais distantes ou que não possam se deslocar facilmente participem do concurso.
Mesmo que a tecnologia seja usada apenas em algumas etapas, isso já seria um ganho em relação ao modelo atual.
Para especialistas, porém, o acesso à tecnologia não é uniformemente distribuído em todo território nacional. A implementação das tecnologias pode se mostrar desafiadora na prática, sobretudo num país desigual como o Brasil.
“As mudanças são bem-vindas, sobretudo neste momento de avanço tecnológico, mas também é uma coisa que temos que ter atenção. Há municípios que não estão totalmente informatizados, alguns são mais analógicos“, diz o presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado), Rudinei Marques, para A Folha.
Portanto, candidatos de áreas mais rurais ou com menos recursos podem encontrar barreiras para participar de um processo seletivo que dependa fortemente da tecnologia.
Se a lei for aprovada, investimentos robustos devem ser tomados para garantir que o processo seletivo seja justo e acessível a todos, independentemente de sua localização ou acesso à tecnologia.
O advogado Eduardo Martins, especializado em concursos públicos no escritório Schiefler Advocacia, faz ressalvas quanto à segurança do processo seletivo feito com uso de tecnologia.
“É realmente difícil garantir que a pessoa que está executando uma prova seja exatamente aquela inscrita no concurso público. Deve haver alguma fiscalização, talvez presencial, que garanta que a pessoa é quem diz ser“, afirma ele para A Folha.
Além disso, a incorporação da tecnologia aumenta o risco de violações de dados. Portanto, é importante garantir que quaisquer sistemas utilizados para administrar o concurso público tenham medidas robustas de segurança de dados.
Caso o processo não seja de fato seguro, o emprego da ferramenta poderia inclusive ampliar a judicialização, em um efeito colateral contrário ao pretendido pelo governo.
O tema discutido também integra uma lista de ações que a pasta pretende colocar em prática nos próximos meses, e que inclui uma nova lei de cotas em concursos públicos.
O projeto tenta afastar algumas brechas que hoje são alvo de intenso embate na Justiça, como os casos de discriminação.
O texto veda de forma expressa qualquer diferenciação de candidatos com base em idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, proveniência ou local de origem.
Porém, o uso de testes adicionais de avaliação pode ser um terreno delicado. É crucial garantir que essas avaliações sejam justas e imparciais, e que não favoreçam certos grupos de candidatos em detrimento de outros.
A lei de cotas nos concursos públicos expira em junho de 2024, sob a avaliação de que não obteve os resultados esperados. O governo quer fechar, ainda no primeiro semestre deste ano, uma proposta de nova lei de cotas em concursos públicos.
O texto apresenta um mecanismo que o governo considera estratégico caso persistam contendas judiciais. De acordo com o projeto, um magistrado ou entidade reguladora deve levar em conta a realidade concreta dos eventos ao avaliar uma contestação de prova ou critério estipulado no edital, em vez de apenas uma interpretação genérica das leis.
Na prática, a proposta busca direcionar a atuação do Judiciário para que este também leve em consideração as implicações de cada veredicto e preveja alternativas e soluções, se a contestação ou interrupção do processo for realmente necessária.