Apesar do avanço de debate sobre a divisão de tarefas do lar, a grande maioria destes afazeres ainda recai mais sobre as mulheres. Assim, isso acaba afastando o público do mercado de trabalho, principalmente no caso daquelas que têm mais filhos.
Nesse sentido, a pesquisa da PUCRS DataSocial nos mostra os números desta realidade.
Durante o quarto trimestre do ano passado, de um total de 1,9 milhão de mães que possuíam três filhos ou mais, 40,69% se encontravam afastadas do mercado trabalho em razão de estarem sobrecarregadas por trabalhos domésticos. Em números reais isso significa cerca de 798,2 mil mulheres.
O percentual é recorde, entre o período de outubro a dezembro, nos últimos seis anos.
No entanto, somente 0,62% dos homens com três ou mais filhos, cerca de 11,9 mil, se dedicavam exclusivamente as tarefas do lar ou de cuidados com algum dependente durante o quarto trimestre de 2022.
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Portanto, é possível perceber que não é simplesmente o fato de ter filhos que afasta os trabalhadores. Este afastamento se dá em razão do gênero, considerando que as mulheres ainda são mais cobradas de cumprirem com o trabalho de cuidado.
Conforme o levantamento da PUCRS DataSocial, as diferenças também são expressivas entre mães e pais que contam com um número menor de filhos.
Entre as mulheres que possuem dois filhos entre 0 a 15 anos de idade, o índice alcançou a marca de 28,83% durante o quarto trimestre do ano de 2022. Isto é, trata-se de percentual que é o maior já identificado desde 2016.
Contudo, entre o público masculino, com a mesma quantidade de filhos, a marca foi de apenas 0,45%.
Levando agora em consideração aqueles que contam com somente um filho, de idade entre 0 a 15 anos, o percentual de mães fora do mercado de trabalho foi de 21,89%. Já o de homens foi de 0,55%.
Segundo o pesquisador e um dos responsáveis pelo estudo, André Salata, o número de mães fora do mercado de trabalho vinha apresentando uma retração antes da pandemia de Covid-19. No entanto, com a chegada da crise sanitária, que levou a paralização de diversos locais, como escolas e empresas, o índice voltou a crescer.
“É um dado bastante chocante. Apesar de algumas mudanças que estamos acompanhando na sociedade, e que são muito positivas, ainda há uma divisão de gênero muito forte. Os resultados expressam isso”, pontuou o pesquisador do PUCRS DataSocial.
Por fim, entre quem não tem filhos, o percentual de mulheres fora do mercado de trabalho em razão de afazeres domésticos ou cuidado de dependentes foi de 14,87% durante o mesmo período. Enquanto a proporção entre os homens foi de 0,47%.
Vê-se, então, que, ainda sem filhos, esta sobrecarga é maior para mulheres.
O assunto sobre trabalho de cuidado foi tema central da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Assim, ou estudantes tiveram de dissertar sobre os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.
Nesse sentido, é importante lembrar que o trabalho em casa abrange tarefas como, por exemplo:
Assim, trata-se de um fator essencial para a manutenção do ambiente social. No entanto, este não tem remuneração e se direciona, de forma desproporcional, às mulheres.
De acordo com um estudo do Comitê de Oxford para o Alívio da Fome, cerca de três quartos do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo é realizado pelo público feminino. Isto é, o que representa 12,5 bilhões de horas.
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Além disso, segundo um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Brasil, as mulheres dedicam aproximadamente 25 horas semanais a tarefas domésticas e outros cuidados. Em contrapartida, os homens dedicam cerca de 11 horas para os mesmos afazeres.
De acordo com a legislação vigente no país, diversas medidas legais servem para o combate da discriminação de gênero no mercado de trabalho. Contudo, a realidade brasileira é bem diferente.
Um dos dados que confirma a disparidade salarial é o de rendimento médio das mulheres. Isto é, o que representa, aproximadamente, 77,7% do rendimento dos homens. O dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do ano de 2019.
Entre os principais cargos, a menor proporção é em funções de direção e gerência. Neste caso, a remuneração equivale a 61,9% dos salários dos homens, sendo o salário médio das mulheres de R$ 4.666, e o dos homens é R$ 7.542.
Em seguida, se encontram as profissionais da área de ciências e intelectuais, grupo em que as mulheres recebem 63,6% do rendimento do público masculino.
“Se um homem e uma mulher exercem as mesmas funções, no mesmo local e com o mesmo grau de perfeição técnica e, no entanto, um deles é mais bem remunerado, estamos diante de um desvirtuamento inexplicável. Como justificar, aos olhos de todos, o privilégio desmerecido ou a diminuição infundada? Não se pode marchar para o futuro sem soltar as amarras do passado”, destacou a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Liana Chaib.
Além disso, a taxa de desemprego também é maior entre as mulheres. O índice é de 14,1%, enquanto para os homens a marca chega aos 9,6%.
Diferentes dispositivos tratam sobre o tema de gênero no mercado de trabalho. Além de convenções internacionais, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) já previa um capítulo específico sobre a proteção do trabalho da mulher.
Durante o ano de 1999, o texto teve reformulação, através da Lei 9.029, que regulamentou novas regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho.
O dispositivo proíbe, por exemplo, que se anunciem vagas de emprego com referência ao sexo ou que o sexo da pessoa seja um fator determinante para fins de remuneração e oportunidades de crescimento no mercado de trabalho.
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Este direito também está na Constituição Federal, no artigo 7º, em que proíbe a diferenciação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.