Um casal de militares composto por um capitão e uma tenente do Exército teve seu recurso de apelação nº 7001265-61.2019.7.00.0000 negado pela corte do Superior Tribunal Militar (STM).
Os oficiais respondem na Justiça Militar da União (JMU) pelo crime de peculato – art 303 do Código Penal Militar (CPM) – e prática do delito previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, posse ilegal de munição de uso restrito.
Com efeito, o caso já havia sido apreciado na primeira instância da JMU, na 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), em outubro de 2019.
Na ocasião, o capitão foi condenado a uma pena de sete anos de reclusão em regime semiaberto, sem o direito de apelar em liberdade, por estarem presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva, substituída posteriormente pela prisão domiciliar.
Já a esposa dele foi sentenciada com uma pena de quatro anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, a serem cumpridas por igual período, com o direito de apelar em liberdade.
Foi mantida, entretanto, a medida cautelar de proibição de sair do estado de São Paulo até o julgamento do mérito da ação penal pelo STM.
O caso dos militares ganhou repercussão nacional quando eles foram presos em flagrante em Atibaia (SP), pela Polícia Rodoviária estadual no mês de maio de 2019.
No veículo particular deles foram encontrados 1397 cartuchos de munição 5.56mm e uma quantia de R$ 3200.
Com a investigação, descobriu-se que além da munição que estava no veículo, o militar também desviou, após um exercício de tiro no 28º Batalhão de Infantaria Leve (28º BIL), localizado em Campinas (SP), 560 munições de 7.62mm.
Ele retirou todo o material do quartel determinando ao seu subordinado que informasse que a mesma havia sido utilizada em sua totalidade em exercício de tiro.
Estranhando a ordem do capitão, o sargento informou a um major o ocorrido, que ligou para o oficial determinando que a munição fosse devolvida, sendo informado que isso ocorreria após seu retorno da cidade de São Paulo, local em que estaria resolvendo problemas particulares.
No entanto, foi constatado que o casal não estava em São Paulo, mas sim, no Rio de Janeiro, local onde venderam as munições 7.62mm.
Após a sentença de primeira instância, não só a defesa, mas também o Ministério Público Militar (MPM) interpuseram recursos de apelação no STM.
Inconformada, a defesa buscou a mudança da decisão ao argumento de que o capitão era um bom militar, zeloso pela sua tropa e liderava pelo exemplo.
Outrossim, aduziu que o apelante externou arrependimento pela conduta praticada, contribuindo para evitar resultados mais danosos com o ato praticado, inclusive com a busca na recuperação da maior parte das munições, procurando minimizar o resultado.
Além disso, sustentou que, após o subcomandante do 28º BIL ter dito que havia falhas no controle das munições, o apelante puxou para si a responsabilidade, evitando a punição de outros militares.
Já em relação à tenente, asseverou a defesa que a ré jamais portou ou manteve sob sua guarda as munições.
Segundo a defesa, em todos os momentos as munições estavam no interior de uma bolsa preta de propriedade do marido e que ré está lotada em outra organização militar (OM) e não esteve no local de serviço do seu esposo no dia da apropriação.
Além disso, argumentou que a oficial não presenciou a entrega dos cartuchos ao receptor, nem mesmo a recuperação de parte do material.
Em suma, a defesa tentou demonstrar que a tenente não participou de nenhum ato punível, não havendo tipicidade em suas condutas e não podendo ser considerada partícipe ou coautora.
Por sua vez, o MPM, responsável por oferecer a denúncia, sustentou em seu recurso de apelação que deve ser reconhecida a condição de coautora da tenente, com o consequente aumento da pena imposta a ambos os acusados.
Argumentou também que o militar não só preparou o cenário ideal para o desvio das munições, determinando ao sargento que formalizasse ato de consumo total da munição com claro intuito de não deixar rastros do crime praticado, como também valeu-se de sua condição hierárquica e função de chefe da Seção de Planejamento do Centro de Instrução de Operações Urbanas para apropriar-se da munição.
Ainda em relação ao capitão, sustentou o MPM que a pena deveria ter sido elevada no que tange à primeira fase da dosimetria, considerando as condutas perpetradas pelo acusado, que se revelaram extremamente graves, na medida em que não se trata de desvio de bem móvel comum, mas de uma enorme quantidade de munições de uso restrito, praticada por militar de carreira.
O relator do processo, ministro Lúcio Mário de Barros Góes, rejeitou os recursos de apelação da defesa dos réus, assim como deu provimento parcial ao apelo ministerial.
Com efeito, o magistrado sustentou a gravidade do crime cometido, uma vez que o desvio de munição própria para fuzil, armamento de uso exclusivo das Forças Armadas, para comercialização na cidade do Rio de Janeiro, local marcado pela violência e pelo crime organizado, denota especial gravidade para o ato praticado.
Além disso, o magistrado ressaltou o perigo elevado do que ocorreu, porquanto uma parte da munição não foi recuperada.
Outrossim, o julgador aduziu que as circunstâncias de tempo e lugar devem ser consideradas desfavoráveis, já que a OM de onde foi desviada a munição é o Centro de Instrução de Operações Urbanas (CIOU), um dos locais onde as tropas são preparadas, entre outras atribuições, para Operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), muitas vezes para combater o tráfico e o crime organizado, como é o caso do Rio de Janeiro.
Por fim, o capitão foi considerado primário e possuidor de bons antecedentes, tendo confessado e demonstrado arrependimento durante o seu interrogatório, contando favoravelmente ao réu.
Diante disso, para o capitão, a corte do STM elevou a pena base do crime de peculato, que passou para quatro anos e oito meses de reclusão.
Por unanimidade, o STM manteve inalterada a pena a ele fixada pela prática do delito previsto no art. 16 da Lei nº 10.826/2003.
Ato contínuo, a pena unificada ficou em sete anos e oito meses de reclusão.
Paralelamente, foi confirmada a condenação da tenente a quatro anos de reclusão, uma vez que a corte entendeu que embora a oficial tivesse ciência do crime, não restou dúvida que a participação dela foi de menor importância, apesar de ambos estarem em “comunhão de desígnio”.
Fonte: Superior Tribunal Militar