A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso da 23ª Região de Mato Grosso (TRT/MT) manteve a sentença da 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá (MT) e reconheceu o direito de uma técnica de enfermagem ao recebimento de indenização por dano moral em razão de atrasos no pagamento de salários durante o contrato de trabalho com a Santa Casa de Misericórdia.
No juízo de primeira instância, a 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá já havia reconhecido o direito à reparação, no entanto, a decisão foi questionada pelo hospital Junto ao TRT-MT. Ao recorrer da condenação, a entidade alegou que a profissional não comprovou o prejuízo sofrido com os atrasos.
Da mesma forma, alegou que a demora para quitar as folhas de pagamento decorreu de “fato do príncipe”, uma vez que o Município de Cuiabá não fez os repasses referentes à prestação de serviços de saúde à população, necessários para pagar seus empregados. Previsto na Consolidação das leis do Trabalho (CLT), o fato do príncipe (factum principis) é o ato da Administração Pública que acarreta a completa impossibilidade de execução do contrato de trabalho, podendo ser considerado como espécie de força maior (art. 503, da CLT).
Todavia, as alegações da entidade não convenceram os magistrados da 2ª Turma do Tribunal. Inicialmente, o desembargador Roberto Benatar, relator do recurso, ponderou que não se pode, de modo generalizado, presumir a ocorrência de dano moral por atraso salarial, aplicando-a indiscriminadamente. Assim, em algumas situações, de impontualidade pouco expressiva, trata-se, em regra, de mero aborrecimento, com o qual o homem médio deve estar preparado para conviver, declarou o relator.
Contudo, o desembargador entendeu como excessiva e desproporcional a exigência de que o atraso salarial atinja o mínimo de 90 dias, conforme previsto na Súmula 17 do Tribunal Regional, para só então configurar-se o dano moral presumido (in re ipsa, como é conhecido no direito o dano que independe da comprovação de abalo psicológico sofrido pela vítima). Isso porque, conforme se sabe, “o trabalhador em regra não possui reservas para tais contingências, sentindo os efeitos deletérios da privação salarial em intervalos muito mais exíguos”, afirmou.
O relator observou que, na sua visão, o não pagamento de salário pode propiciar dano moral presumido em caso de inadimplemento por pelo menos duas folhas contínuas, circunstância em que são presumíveis os prejuízos à subsistência do trabalhador e de sua família e, por isso, à sua dignidade humana.
No caso concreto, restou demonstrado que os atrasos salariais da técnica de enfermagem se deram no período de novembro de 2018 a junho de 2019, situação avaliada pelo relator como grave o suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa.
Quanto à alegação de que o atraso decorreu da falta de repasse do Poder Público Municipal, o relator ressaltou que, ainda que essa situação coincidisse com o período de atraso salarial, isso não justifica a ausência de pagamento à trabalhadora, uma vez que o empregador não pode transferir os riscos de sua atividade aos seus empregados, conforme o princípio da alteridade (previsto no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).
Embora os demais magistrados da 2ª Turma tenham concordado com o direito da trabalhadora em ser indenizada pelos atrasos, houve diferentes fundamentos.
No entendimento do desembargador João Carlos de Souza, a compensação é devida ainda que o atraso salarial seja inferior a dois meses. Para ele, a demora no pagamento “seguramente causa transtornos de ordem psíquica no trabalhador, que depende de seus salários para a quitação de suas despesas ordinárias, consistindo, in casu, em dano in re ipsa.”
Por sua vez, a desembargadora Beatriz Theodoro divergiu em parte da fundamentação por avaliar que o atraso salarial, ainda que referente a dois períodos, não dá direito à reparação, sendo presumível o dano moral apenas nos casos de atraso por mais de 90 dias, conforme a Súmula 17 do Tribunal. “Mas neste caso, tal como registrado pelo Relator, restou incontroverso inadimplemento dos salários do período de novembro de 2018 a junho de 2019, ou seja, houve retenção por prazo muito superior a 90 dias, o que, nos termos do verbete acima destacado, enseja condenação por dano moral.”
Contudo, a Turma manteve a sentença que condenou a ré ao pagamento de indenização por dano moral decorrente de atraso salarial, inclusive quanto ao valor de 2 mil reais, fixado em sentença, quantia semelhante a outros casos julgados pela Turma.
(PJe 0000466-45.2019.5.23.0007)
Fonte: TRT-23 (MT)
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