Nesta quarta-feira (28/10), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da revista íntima de visitantes que ingressam em estabelecimento prisional.
A votação discute se a revista íntima viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade, à honra e à imagem do cidadão.
Outra discussão em votação é sobre a licitude das provas obtidas mediante o procedimento.
O ministro-relator Edson Fachin foi o único na votar na sessão de ontem, ele considerou que o procedimento representa tratamento desumano e degradante, incompatível com a Constituição Federal (artigo 5º, inciso III).
O julgamento foi retomado hoje (29/10), para a conclusão dos votos dos demais ministros.
A matéria é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, com repercussão geral (Tema 998), e servirá de base para a resolução de, pelo menos, 14 casos semelhantes suspensos em outras instâncias.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS).
De acordo com o TJ-RS, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, porquanto a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que entrava no presídio para realizar visita ao familiar detido.
O ministro Fachin, ao declarar o seu voto, ressaltou que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnudamento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo, devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra.
No mesmo sentido, o ministro observou que, conforme a Lei n? 10.792/2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei n? 7.210/1984) e o Código de Processo Penal (CPP), o controle de entrada nas prisões deve ser realizado com o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de raios-X.
Portanto, na avaliação do ministro, a ausência desses equipamentos não justifica a revista íntima.
Diante disso, Fachin ponderou que as revistas pessoais são legítimas para viabilizar a segurança e evitar a entrada de equipamentos e substâncias proibidas nas unidades prisionais.
No entanto, é inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada de roupas para revistar cavidades corporais, ainda que haja suspeita fundada.
Na avaliação do ministro, a busca pessoal, sem práticas vexatórias ou invasivas, só deve ser realizada se, após o uso de equipamentos eletrônicos, ainda houver elementos concretos ou documentos que justifiquem a suspeita do porte de substâncias ou objetos ilícitos ou proibidos.
De acordo com o ministro, isso é necessário para permitir o controle judicial e a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades.
Além disso, o ministro ressaltou que, na maioria dos estados, as revistas íntimas para ingresso em unidades prisionais foram abolidas, inclusive com regulamentação local.
De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, colhidos de 2010 a 2013, ficou constatada a reduzida quantidade de itens proibidos apreendidos em procedimentos de revista íntima, em comparação com o material ilícito recolhido na fiscalização das celas. Conforme a secretaria, em apenas 0,03% das revistas foram encontrados objetos ilícitos.
Quanto à licitude da prova, o ministro votou pela manutenção do acórdão do TJ-RS, que anulou a condenação da mulher. Ele observou que a revista foi realizada após “denúncia anônima”, fórmula usual para justificar a realização do procedimento.
Nesse sentido, ministro Edson Fachin propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral:
“É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”.
O procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen, por videoconferência defendeu que a revista íntima na entrada de presídios, quando houver suspeita fundada, não é ilícita nem ofende direitos e garantias essenciais do cidadão, porquanto visa à garantia da segurança e da ordem pública. Assim, na avaliação do procurador, o procedimento é excepcional e tem como objetivo evitar a entrada nos presídios de objetos e substâncias proibidas, como armas, telefones celulares e drogas.
Por sua vez, o defensor público-geral do RS, Antônio Flávio de Oliveira, em nome da ré, defendeu que, além de vexatório, o procedimento é ilícito, e as provas eventualmente obtidas por este meio devem ser descartadas. Na avaliação do defensor, o momento é de escolha entre civilização ou barbárie, posto que com os instrumentos tecnológicos atualmente à disposição, a revista íntima, que considera inadmissível, é um método ineficaz e irrisório, frente à devastação de integridade individual que representa.
O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou que, para o Ministério Público Federal, o controle de entrada nos presídios é necessário para a preservação da ordem.
No entendimento do vice-procurador-geral, caso se proíba qualquer tipo de revista, os familiares de presos serão submetidos à pressão de organizações criminosas para que levem produtos ou substâncias proibidas para os presídios.
Nesse sentido, a proposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) é que as revistas íntimas sejam realizadas apenas em situações excepcionais, quando não for possível, por motivo de saúde, por exemplo, a realização de revista eletrônica ou mecânica.
Outros órgãos que também se manifestaram na sessão de julgamento, foram os representantes da Defensoria Pública da União, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, da Pastoral Carcerária, da Conectas Direitos Humanos, do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos, todos pela ilicitude das provas colhidas por meio de revista íntima ou vexatória.
Fonte: STF
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