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Quatro réus condenados pela tragédia na Boate Kiss serão julgados  em um único júri

Por dois votos a um, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão deverão ser julgados juntos, em um único júri, na Comarca de Porto Alegre.

Com isso, os quatro acusados de serem os responsáveis pelo incêndio que causou a morte de 242 pessoas e deixou outras 639 feridas, não serão submetidos ao Conselho de Sentença de Santa Maria, formado por jurados locais, onde ocorreu a tragédia.

O TJRS apreciou recurso do Ministério Público estadual, que pleiteou o julgamento conjunto de todos os réus.

Recurso

Em seu voto o relator, Desembargador Manuel José Martinez Lucas, reiterou o seu entendimento anterior, no sentido de que o princípio da unicidade de julgamento pelo Tribunal do Júri não se encontra entre as possibilidades de desaforamento.

Além disso, o magistrado destacou o desejo do acusado Luciano de ser julgado na Comarca onde reside e onde ocorreram os fatos.

O Desembargador Jayme Weingartner Neto divergiu do relator. No entendimento dele, a situação de Luciano é semelhante a dos demais.

Distensão do julgamento

Ainda, na avaliação do magistrado, a troca de comarca poderá contribuir para distensionar o julgamento, uma vez que se dará em local mais distante e neutro.

Neste sentido, o magistrado argumentou:

 “O escoar do tempo, que em geral mitiga a exaltação, ao esfriar os ânimos, não se tem revelado eficiente – o que, mais que compreensível, é absolutamente natural e previsível – para conter as erupções de emoção e sofrimento que, acompanhando a persecução penal do caso, tendencialmente afloram com mais intensidade nos atos solenes, a própria ritualística a serviço de uma possível catarse.

O fato ocorreu há sete anos, mas a possibilidade de incidentes emocionais quando da realização da Sessão de Julgamento é atualíssima, pois a dor emana, especialmente, das vítimas sobreviventes e familiares, que seguramente estarão presentes não importa onde.

A desterritorialização do local da tragédia, com a convocação da mais distante (geográfica e simbolicamente) Justiça da Capital do Estado, torna muito razoável a conjectura de que a autocontenção dos mais diretamente atingidos será favorecida pelo ambiente mais neutro, menos carregado de lembranças, associações, idiossincrasias. Seja como for, o que está ao alcance da jurisdição é precaver-se e adotar as medidas logísticas e de segurança pertinentes.”

Imparcialidade do júri

Outro ponto que embasou o voto do magistrado se refere à imparcialidade do júri.

Ele citou a pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Methodus, segundo a qual 70,7% dos entrevistados perderam pessoas queridas no incêndio.

Diante disso, o magistrado argumentou, ao concluir a fundamentação de sua decisão:

“No Tribunal do júri, como mencionei antes, há especial cuidado com a composição do Conselho de Sentença (artigos 448 e 449 do Código de Processo Penal), estendendo-se aos jurados os impedimentos, suspeições e incompatibilidade dos juízes togados, e as próprias recusas estão a serviço da garantia da imparcialidade do júri. Lido com tais lentes, compreende-se ainda melhor o contorno do desaforamento, que se basta com a dúvida sobre a imparcialidade do júri e permite que a questão seja trazida ao Tribunal por todos os sujeitos processuais, sejam partes (expressamente, ‘a requerimento do Ministério Público”) ou até mesmo o Juiz de ofício”.

O Desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto acompanhou o entendimento do Desembargador Jayme.

Relembre o caso

Apenas Luciano Bonilha Leão, o produtor musical da Banda Gurizada Fandangueira, desejava manter o julgamento em Santa Maria.

Já os empresários Elissandro e Mauro e o vocalista do grupo musical, Marcelo, solicitaram o desaforamento do júri (ou seja, a transferência de local), defendendo o interesse da ordem pública, a dúvida sobra a parcialidade dos jurados, o ambiente mais distante e controlado da justiça de Porto Alegre para distensionar a sessão, entre outros argumentos.

O júri de Luciano estava marcado para ser realizado no dia 16/3 deste ano, em Santa Maria, mas foi suspenso pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogerio Schietti Cruz, quatro dias antes.

O Ministro determinou a suspensão do julgamento popular até que a 1ª Câmara Criminal do TJRS julgasse o mérito do Pedido de Desaforamento do júri do produtor musical, formulado pelo Ministério Público.

No entendimento da acusação, os quatro réus devem ser julgados em julgamento único.

O MP defendia, inicialmente, que isso ocorresse na Comarca onde a tragédia aconteceu, sendo os réus julgados pela própria comunidade santa-mariense.

No entanto, as defesas de Elissandro, Mauro e Marcelo pediram para serem julgados em Porto Alegre, o que foi atendido pela 1ª Câmara Criminal do TJRS.

Fonte: TJRS