Nesta sexta-feira, 29 de outubro, cerca de um milhão de participantes do Bolsa Família irão sacar sua parcela do benefício, como fazem há um bom tempo. O programa nasceu em 2003 que já foi considerado modelo em todo mundo. Contudo, depois de 18 anos desde a sua criação, o programa de transferência de renda irá efetuar o seu último pagamento.
Isso ocorre em razão da substituição da medida pelo Auxílio Brasil, criação do governo Bolsonaro, a partir da Medida Provisória 1.061. De forma oficial, o Bolsa Família só se encerra no decorrer da próxima semana, quando a lei que o criou será revogada.
Além disso, o governo já indicou que pretende disponibilizar os novos valores pagos através do Auxílio Brasil a partir de novembro. No entanto, durante a última quinta-feira, 28 de outubro, a gestão anunciou mudanças nos valores pagos pela medida.
Desse modo, o valor de R$ 400 prometido só deverá ser chegar aos participantes a partir de dezembro. Para o próximo mês, então, haverá o aumento de 20% do tíquete médio pago aos beneficiários.
O Programa Bolsa Família foi criado em 2003 durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Porém, a criação do benefício se deu devido a uma série de junções de medidas já existentes. Inicialmente, o valor que o programa concedia era de R$ 50 por grupo familiar que se encontrasse em situação de extrema pobreza. Ademais, havia um acréscimo de R$ 45 que dependia da composição familiar do grupo.
“Com um gasto muito pequeno, que não chegava a meio por cento do PIB, ele conseguiu romper o círculo vicioso da pobreza. Ninguém imaginava que um programa com um custo tão baixo, aplicado do país inteiro por um volume tão grande de pessoas, pudesse dar tão certo”, lembra a economista da fundação Seade, Sandra Brandão.
Nesse sentido, uma pesquisa do Ipea em 2019 mostrou que, no ano de 2017, os repasses do programa conseguiram retirar cerca de 3,4 milhões de pessoas da pobreza extrema e outras 3,2 milhões da pobreza. Estima-se, ainda, que nos últimos anos a ação do benefício contribuiu para a retirada de cerca de 10% dos níveis de desigualdade social do Brasil.
Em conjunto, o Ipea também demonstrou que cada R$ 1 de investimento do programa gerava cerca de R$ 1,8 no PIB (Produto Interno Bruto. Assim, o benefício atuava de maneira favorável para o aumento do crescimento econômico do país.
Sandra Brandão também relatou que o benefício influenciou diretamente os setores da saúde e educação, com a queda de 58% dos índices da mortalidade infantil, aumento da frequência escolar e melhora da alimentação dos participantes da medida.
De acordo com um relatório do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério da Econômica, já durante o ano de 2020, o programa conseguiu reduzir os níveis de pobreza no Brasil de maneira significativa.
Apesar de todo sucesso e importância, com o passar dos anos o programa sofreu uma forte defasagem. Isto é, o último reajuste do benefício ocorreu em 2017, durante gestão do ex-presidente Michel Temer. No entanto, o aumento da inflação já consumiu grande parte deste valor.
Nesse sentido, Marcelo Neri, professor e economista da Fundação Getúlio Vargas, já falou sobre o assunto. De acordo com ele, portanto, o Bolsa Família necessitaria, hoje, de um reajuste de cerca de 32,2% somente para recuperar as perdas causadas desde 2014. Isto é, um valor superior aos 20% que a atual gestão irá aplicar com o Auxílio Brasil. Ademais, Neri também frisa que o benefício acabou diminuindo com o passar dos anos.
Em conjunto, a economista Sandra Brandão pontua que é importante que o programa sofra um reajuste, principalmente durante este momento em que o país e sua população mais vulnerável vem sofrendo com o aumento dos índices da inflação.
“Se a gente usasse o parâmetro do Banco Mundial significaria algo da ordem um benefício de R$ 300 o benefício individual”, aponta.
Porém, os economistas também alertam sobre a maneira como o novo programa vem sendo implementado, ou seja, com o estouro do teto de gastos e sem uma fonte de recursos garantida para o próximo ano.
“Qualquer economia que você faz com Bolsa Família rende muito pouco, então, eu acho que é sempre grande o risco de piorar. Um ajuste fiscal onde sempre os pobres são os primeiros da fila, não acho que seja uma boa política nem social nem econômica”, frisou Marcelo Neri.
O encerramento do programa Bolsa Família também vem deixando milhões de famílias brasileiras na incerteza. Assim, muitos se perguntam se ainda continuarão a participar do benefício ou se conseguirão receber a quantia a partir de novembro.
Assim, para que o governo consiga realizar o pagamento do Auxílio Brasil, será necessário que o Congresso Nacional aprove um projeto de lei que efetua a transferência de aproximadamente R$ 9,3 bilhões de um benefício para o outro. Outra alternativa seria que a gestão organizasse uma nova medida provisória que alterasse o prazo dado pela primeira revogação do Bolsa Família.
“Neste momento está todo mundo com frio na barriga. Até agora não tem valor e não tem recurso para pagar (o Auxílio Brasil), e o Bolsa não pode mais ser pago porque no dia 7 de novembro ele não existe mais. A partir do 7 de novembro não pode usar mais nada do Bolsa para pagar as pessoas”, comentou a economista Sandra Brandão sobre as incertezas que vêm incomodando grande parte das famílias inscritas no programa.
Marcelo Neri aponta que o Auxílio Brasil, também conhecido como o novo Bolsa Família, será um benefício de maior complexidade em comparação com seu antecessor. Este fator, portanto, poderá acarretar no surgimento de maiores dificuldades durante o processo de operação dos pagamentos, mesmo quando todos os recursos necessários estiverem disponíveis.
“Tem muita incerteza porque o que está sendo proposto é uma mistura de coisas complexas. Foram propostos nove benefícios, uma coisa bem mais complexa do que o Bolsa Família. Algumas ideias até boas, mas uma coisa é você pensar um programa, outra coisa é você executar esse programa”, alertou o professor e economista.