No meio da aula virtual, o cachorro late e a criança quer dar tchauzinho para a câmera. O professor, então, decide apresentar ambos aos alunos – quem sabe, assim, consiga mais atenção dos adolescentes. As adaptações do ensino à distância, por causa da pandemia, não param por aí: os docentes de cursinhos pré-vestibulares compram microfones e câmeras melhores, dançam e cantam, criam conta no TikTok, ligam a caixa de som com pagode… tudo para tentar estimular a participação dos estudantes.
“É muito difícil concorrer com a cama deles”, diz Aluísio Júnior, professor de geografia do Curso pH, no Rio de Janeiro. “Eles querem dormir, é uma competição desleal.”
Quando as aulas presenciais foram suspensas, no início da pandemia do novo coronavírus, Júnior ficou com receio de trocar as salas de aula lotadas pelo ensino à distância. “Tive medo, porque gosto do olho no olho, gosto de ver como os alunos estão. Adaptar isso para o vídeo é muito difícil. Mas estou buscando estratégias para não perder a atenção dos estudantes”, conta.
Às 7h da manhã, quando a aula começa, Júnior liga a caixinha de som e coloca um samba para tocar. “Sou do pagode, mas tento me adequar à realidade dos alunos e entrar no mundo deles. Nesta semana, conversei com uma aluna sobre K-pop [gênero musical da Coreia do Sul]. Também criei conta no TikTok [rede social de vídeos curtos], para ver como é isso. Preciso entender do que eles gostam, para aí criar paródias ou dancinhas interessantes sobre o conteúdo de geografia”, diz.
E, entre as tais paródias e dancinhas, Arlindo e Péricles desfilam em frente à câmera do professor. Calma, não são participações VIP, mas os dois cachorrinhos dele.
Eduardo Izidoro, professor de matemática do Cursinho da Poli (SP), também incluiu os animais em suas aulas. “Acabo levando para o humor. Moro no interior de São Paulo, em uma região com muito verde, então os
passarinhos piam, aí assobio junto. Minha cachorra de 2 kg, que acha que é pitbull, late bastante, aí a levo até a câmera, ela lambe a lente”, diz.
As crianças também fazem sucesso. Tony Manzi, professor de biologia do cursinho Maximize (SP), usa desenhos do Bob Esponja, ao falar de poríferos, e mostra uma cena da Dory, personagem de “Procurando Nemo”, na aula de anêmonas. E aí não são só os alunos que ficam mais interessados pelo conteúdo: Enzo, de 5 anos, também quer participar.
Uma das principais dificuldades relatadas pelos professores de cursinho é a impossibilidade de ver as reações dos alunos durante as explicações. Segundo eles, em uma sala de aula, é mais fácil notar a expressão facial dos que têm dúvidas, por exemplo, ou perceber se estão desconcentrados.
“A falta de feedback é estranha, foi muito complicado para mim. Nas aulas virtuais, as reações chegam via chat, por escrito. Só que, se eu me empolgar na explicação, acabo ficando sem olhar a janelinha de conversa e perco as perguntas que os alunos fazem”, diz Manzi.
Para solucionar essa questão do chat, Aluísio Júnior faz pausas a cada meia hora e fala o nome de determinados estudantes. “Convoco alguns para participarem”, afirma. “Eles não gostam de abrir o microfone para falar, acabam sempre digitando a dúvida. Também tento interações mais descontraídas, para a aula ficar mais dinâmica. Não dá para eu ficar falando sozinho por 1h30 – pergunto se alguém sabe tocar violão, por exemplo. Outro dia, um aluno puxou um berimbau e tocou”, diz.
Apesar das dificuldades trazidas pela distância física, os docentes percebem um ganho: em frente às telas, alguns alunos se sentem mais encorajados para fazer uma pergunta. “A aula inibe os mais tímidos. Eles acabam perdendo a vergonha nas chamadas de vídeo, aí escrevem no chat”, conta Júnior.
O tempo para preparar as aulas ficou maior: o conteúdo que, antes da pandemia, era ensinado apenas com giz/caneta e lousa passa a ser apresentado em slides, de forma mais condensada. “Para prepará-los, levo de 4 a 5 dias”, diz Manzi.
“Preciso correr atrás de imagens que substituam os desenhos que eu fazia. Também encontrei um programa que permite que eu apareça enquanto os slides estão sendo exibidos. É trabalhoso, mas está dando certo”, completa.
Wander Azanha, professor de física da Oficina do Estudante, em Campinas (SP), preferiu comprar uma lousa branca e pendurá-la em seu escritório. “Fica mais dinâmico. Alguns professores estão comprando as lousas digitais, mas os preços subiram muito durante a pandemia”, conta.
Outra preocupação a ser levada em conta, no preparo das aulas, é o tempo. Izidoro, por exemplo, precisa apresentar o conteúdo de 100 minutos em apenas 40. “O professor vira um roteirista. Elaboro um roteiro pré-aula, testo e vejo se está dando certo. Tento prever quais dúvidas os alunos terão, para não precisar aguardar o chat. É um trabalho diferente do que eu estava acostumado. Era só pegar o giz, que a coisa já acontecia”, brinca.
As casas dos professores viraram basicamente estúdios: cômodos receberam iluminação especial e até um varal com pano verde – uma espécie de “chroma key”. Essa técnica permite que, pelo computador, a cor sólida do fundo seja substituída por qualquer outra imagem.
“Já busquei uma foto de banheiro chique na internet e a coloquei como fundo. É um jeito de descontrair por alguns minutos e manter a concentração dos alunos”, diz o professor Izidoro. “Também brinco de colocar uma camiseta verde e fingir que estou desaparecendo.”
Já Tony Manzi preferiu comprar o “chroma key” para apresentar o conteúdo de biologia de um modo mais criativo. “Quero projetar imagens dos animais, das células ou das plantas”, diz. E as compras do professor não pararam por aí. “Nas minhas primeiras aulas online, vi que a câmera tinha imagem embaçada, a falta de iluminação criava sombras e a qualidade do áudio não estava boa”, conta Manzi. “Fui atrás de uma ‘webcam’ melhor, de um microfone de lapela e de uma luz boa. Fiquei vendo como os ‘youtubers’ de game fazem. São investimentos para uma aula melhor”, diz. *As informações são do G1.