Educação

Pandemia faz estudantes deixarem a rede privada

A pandemia de Covid-19 vem causando dois movimentos simultâneos que se somam de forma ameaçadora para a educação no país: a rede pública vê seu orçamento encolher ao mesmo tempo em que sua clientela aumenta, em função dos alunos que deixam o ensino privado por motivos econômicos. Além disso, novos gastos se impõem para adaptar as escolas às regras de saúde e segurança.

De 31 redes de ensino públicas que responderam a um levantamento do GLOBO, 16 (nove municipais de capitais e sete estaduais) registraram migração de alunos da rede particular. Juntas, receberam 34,6 mil novos estudantes durante a pandemia.

Por outro lado, uma projeção da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) mostra que, até o fim do ano, o setor pode perder cerca de R$ 19,1 bi (7% do orçamento nacional) por conta da queda na arrecadação de impostos.

“O cenário é ruim. Essa pressão por vagas vai aumentar mais porque outra parcela que está na rede privada vai se socorrer do desemprego na rede pública”, afirma Thiago Alves, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador da Fineduca, autor do estudo com a projeção da queda de orçamento.

A situação mais alarmante é a da rede estadual do Paraná, que tem 10 mil matrículas saídas das escolas privadas entre março e junho — são 7% do total de estudantes dessas unidades no segundo ciclo do ensino fundamental e no ensino médio. Por outro lado, a queda de receita do Fundeb (fundo que banca a educação básica no Brasil) é de 8% no estado, segundo dados da Fineduca.

“Essa queda do Fundeb será proporcional ao orçamento inteiro da Educação no Paraná e no país”, avalia Alves.

O secretário estadual de Educação do Paraná, Renato Feder, avalia que este volume de alunos mudando de rede no meio do ano é excepcional — em geral, esses movimentos acontecem nas viradas do ano. Ele atribui a migração, no entanto, à qualidade do ensino remoto do estado.

Depois do Paraná, a rede estadual de São Paulo foi a que mais recebeu novos alunos durante a pandemia: foram mais de sete mil novas matrículas (1% da rede privada nos segmentos atendidos pelo estado). Já a rede privada da Paraíba perdeu 5% (três mil) dos alunos para a rede estadual; no Distrito Federal, 2,5% (1.271) dos estudantes migraram.

“Para a classe média baixa, a educação é um dos maiores componentes em seus orçamentos e é um dos primeiros investimentos que as famílias têm que cortar em épocas de crise. Isso pode significar uma desestigmatização pois, em qualidade (de ensino), ela é bem próxima da escola privada”, diz Lucas Hoogerbrugge, gerente de estratégia política do Todos pela Educação.

Esse é o caso de Ana Thais Pegoraro, que tirou o filho, João Pedro, de 4 anos, da escola privada em Jundiaí (SP). Ela culpa a falta de flexibilização nas negociações da mensalidade pela mudança.

“Perdi meu estágio, e meu marido, autônomo, viu a renda cair muito também. Como a escola não negociou a mensalidade, resolvi mudar”, diz.

Preocupação

 

Nove das 31 redes de ensino que responderam à reportagem declararam que não tiveram migração significativa; três ainda não consolidaram os dados de novas matrículas; e três não permitiram novas inscrições até o fim da pandemia. Mas algumas delas, mesmo sem números finais, já se preocupam, como Sergipe.

“As exigências de distanciamento podem requerer criação de novas turmas e, possivelmente, contratação de mais professores e funcionários. Teremos maiores demandas sem garantia de adequado financiamento”, avalia, em nota, a secretaria estadual de Educação.

Salvador planeja resolver o aumento que ocorre da demanda com compra de mais de 8.000 vagas na rede privada para educação infantil.

No Rio, essa migração já começa a ser percebida, , segundo Frederico Venturini, diretor do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe)

“Entramos no ensino remoto rapidamente e não paramos. Mas as matrículas canceladas nas séries com menor idade são as que mais crescem”.

O Sinepe informa que a receita das escolas particulares caiu, em média, 25% e que “se o atual rumo for mantido”, de 10% a 20% dos colégios de ensinos médio e fundamental podem fechar suas portas.