Abandono Afetivo vs Indenização Pecuniária

A família é considerada como responsável pela formação do ser humano, devendo garantir cuidado, educação, apoio, sustento e principalmente afeto.

Todavia, não são raros os casos em que a família acaba se mostrando incompleta devido ao abandono afetivo de um dos genitores, gerando danos para os filhos, sejam de natureza psíquica, moral, social ou até física.

Diante disso, o Poder Judiciário vem recebendo inúmeras ações de filhos em face de seus pais em busca de compensação de natureza pecuniária pela ausência afetiva.

Com efeito, no presente artigo teceremos considerações acerca da indenização decorrente do abandono afetivo, assunto de grande discussão no âmbito jurisprudencial e doutrinário.

 

Considerações Acerca da Afetividade nas Relações Familiares

Atualmente, o afeto está intimamente ligado à constituição de uma família e, por conseguinte, à manutenção dos laços familiares.

Todavia, a título de esclarecimento, o afeto não consiste em amor, sendo este apenas uma de suas formas.

Com efeito, a partir da promulgação da Constituição de 1988, o afeto foi considerado um princípio do direito de família.

Assim, passou a guardar relação com os princípios da liberdade, da igualdade, da dignidade, da solidariedade e da cooperação.

Vale dizer, o princípio da afetividade entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família.

Destarte, a evolução da família expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afetividade.

Outrossim, este conceito como princípio jurídico implica na sua análise em todo o Direito de Família, em virtude da definição de família, entidade familiar, critérios para designação de famílias suplentes, dentre outros, afetarem-se.

O avanço deste novo ideal presente nas entidades familiares fez com que houvesse uma adaptação do mundo jurídico à nova realidade, na medida em que não mais há a sobreposição dos vínculos consanguíneos aos liames afetivos.

Diante disso, o judiciário vem recebendo diversas demandas pleiteando a responsabilidade civil pela falta do afeto, ao argumento de que o afeto é indispensável ao ser humano.

 

Abandono Afetivo

Ante a valorização da dignidade da pessoa humana com a promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade de proteger os vulneráveis, a exemplo das crianças e adolescentes.

Outrossim, a soluc?a?o de todos os conflitos envolvendo menores de idade deve ser orientada pelo Princi?pio do Melhor Interesse da Crianc?a e do Adolescente.

Assim, insta ressaltar que afeto consiste na ação de cuidado com outra pessoa, de forma a instruí-la, educá-la, formá-la, dar feição, forma ou figura.

Portanto, não há a obrigação de gostar ou deixar de gostar de alguém, mas de ter zelo por outra pessoa.

Com efeito, a conduta afetiva, por ter natureza de ação, consiste em um dever cuja imposição pode ser determinada pelo Judiciário, havendo o sentimento ou não.

Portanto, o afeto adentra nas relações interpessoais para se inserir no mundo jurídico através do princípio da afetividade.

Supera, assim, o formalismo das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos.

Dessa forma, o desrespeito ao supracitado, levando em consideração todo o exposto, implica no abandono afetivo dos pais aos filhos.

Vale dizer, tal prática consistente na ausência de afeto entre pais e filhos, ou seja, a falta de zelo de uns aos em relação aos outros constitui uma afronta à Constituição Federal.

 

A Responsabilidade Familiar e Dispositivos Legais

Inicialmente, pode-se definir responsabilidade como a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade.

Várias são as responsabilidades dos genitores para com os filhos, as quais estão disciplinadas em várias partes do ordenamento jurídico.

Assim, além de ser considerado um ato ilícito, a Constituição Federal prevê, em seu art. 227:

Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado 3º, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Além disso, o Código Civil, em seus arts. 1.566 e 1.724, bem como no Capítulo referente ao Poder Familiar, disciplinado do art. 1.630 ao 1.638, exige expressamente que os pais ou os responsáveis pelos menores pratiquem determinadas condutas, as quais se caracterizam como direitos deveres.

Na mesma linha, cita-se os artigos 4º e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”

 

Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo

O Código Civil, estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Em consequência, dispõe art. 927, do mesmo estatuto, que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Portanto, para que se caracterize o dever de reparar, é preciso que estejam presentes três requisitos, quais sejam:

  • conduta (ação ou omissão),
  • dano (moral ou patrimonial) e
  • nexo de causalidade.

Na sequência, passaremos para a análise de cada um deles, adequando-os aos casos de abandono afetivo.

Conduta

Precipuamente, a conduta pode se dar por meio de uma ação (positiva), que é quando o genitor pratica atos capazes de causar danos a outrem ou a algo.

Especificamente no caso de abandono efetivo, pode-se configurar, por exemplo, como reiteradas atitudes de desprezo, rejeição, indiferença e humilhação com o filho.

De outro lado, a omissão ocorre por meio da inatividade, ou seja, quando se deveria ou se podia praticar determinada conduta e a pessoa simplesmente se abstém, se omite.

Aplicado a este assunto, ressalta-se a negativa de afeto e a privação do filho da convivência.

Assim, configura-se como omissão a infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhes são impostos como decorrência do poder familiar.

Dano

Já o dano, pode ser moral, quando atinge a individualidade humana, ou material, quando atinge bens materiais.

No primeiro caso, pode-se citar como exemplo um filho que sofre o abandono em sua personalidade, atingindo a sua honra e dignidade, diante da conduta realizada pelo genitor.

De outro lado, pode-se verificar dano patrimonial no caso de um prejuízo de natureza econômica, os quais podem ser avaliados pecuniariamente, atingindo o patrimônio da vítima.

Contudo, para fins de abandono afetivo, apenas o dano moral, também chamado de extrapatrimonial, é o que interessa.

Outrossim, não há que se falar em ressarcimento ou indenização sem dano, pois conforme o art. 944, do Código Civil, “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

Nexo de Causalidade

Finalmente, é necessária a existência do nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Trata-se do liame existente entre a conduta omissiva ou comissiva dos genitores, ao dano gerado na vítima, excluindo-se que o dano advenha de situações estranhas à relação.

Vale dizer, somente se o comportamento (ação ou omissão) do genitor, tenha dado causa ao resultado, é que aquele poderá ser responsabilizado.

 

Dever de Indenizar

Portanto, para que seja imposto o dever de indenizar, é necessária a ocorrência de uma atitude lesiva, contrário ao direito ou antijurídica.

Dessa forma, no caso de descumprimento do regular exercício do poder familiar, restará configurado um ilícito que, por conseguinte, é fato gerador de indenização.

Assim, a indenização serve para reparar os danos através de um caráter punitivo e educativo, responsabilizando o agente pelo dano que ocasionou mediante uma ação ou omissão.

No caso da indenização por abandono afetivo, o pressuposto do dever de indenizar é a existência de uma relação paterno filial.

Com efeito, o abandono pode ocorrer tanto por pais que se encontram presentes, quanto por aqueles ausentes.

Conclui-se, portanto, que a configuração dos três requisitos da responsabilidade civil viabiliza a responsabilização do genitor por abandonar afetivamente o seu filho.

No entanto, diante da falta de legislação sobre o assunto, não é possível afirmar que se constituem critérios absolutos.

Dessa forma, cabe à jurisprudência decidir, após a análise de cada caso concreto.

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