Colheita de provas em território nacional requerida por juiz francês é anulada por ausência de exequátur

O exequátur é uma autorização concedida pelo STJ para o cumprimento de cartas rogatórias no Brasil, consoante ao artigo 105, I, “i”, da Constituição Federal.

Assim, diante da ausência de exequátur do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 6ª Turma acolheu o pedido de um investigado. Consequentemente, declarou a nulidade de medidas de busca e apreensão e de condução coercitiva contra ele, executadas em cooperação jurídica com a França. 

Diligências no Brasil

De acordo com as informações do processo, o Tribunal de Grande Instância de Paris solicitou que fossem realizadas diversas diligências no Brasil. Dentre as diligências, pediam: a oitiva do investigado e busca e apreensão no seu endereço. O intuito, era subsidiar uma investigação pela prática de falsificação e uso de documento falso, apropriação indébita, receptação, corrupção e lavagem de dinheiro.

Acordo de Cooperação Judiciária

O pedido da autoridade francesa, autorizado pelo juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro (RJ), foi fundamentado no Acordo de Cooperação Judiciária em matéria penal entre o Brasil e a França (Decreto 3.324/1999); na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

Habeas Corpus

O investigado impetrou habeas corpus para anular os atos, em razão da ausência de exequátur no pedido de cooperação jurídica internacional. Contudo, a ordem foi negada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Diante disso, ele interpôs recurso ao STJ.

Natureza da cooperação

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso do investigado, esclareceu que é necessário a verificação da natureza do pedido de cooperação internacional. Porquanto, a carta rogatória e o auxílio direto são institutos com ritos e procedimentos diversos. Muito embora, convivam no ordenamento jurídico como sistemas de cooperação internacional em matéria penal. Especialmente, em razão das normas aplicáveis e da origem da decisão que ensejou o pedido estrangeiro.

Carta rogatória

Para a ministra, na carta rogatória¹ passiva, há decisão judicial oriunda da Justiça rogante que precisa ser executada no Estado rogado. Entretanto, cabe ao STJ (art. 36, CPC) avaliar a legalidade formal do pedido, sem entrar no mérito da decisão estrangeira, para decidir se concede ou não o exequátur.

Auxílio direto

Por sua vez, declarou a ministra, no auxílio direto² passivo, há um pedido de assistência do Estado rogante diretamente ao Estado rogado. Assim, para que este preste as informações solicitadas ou provoque a Justiça Federal para julgar a providência requerida (medida acautelatória).

Tudo isso, baseado em acordo ou tratado internacional de cooperação. Entretanto, a medida não pode decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil (art. 28, CPC)

Todavia, neste caso, a ministra observou que o juízo estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida por um promotor de Paris, emitiu pronunciamento jurisdicional. Segundo a ministra, não se trata de mero ato formal de encaminhamento de pedido de cooperação. Contudo, trata-se de ato com caráter decisório proferido pelo Judiciário francês no exercício da função jurisdicional.

Por isso, Laurita Vaz afirmou que a decisão judicial estrangeira deve ser submetida ao exame de legalidade do Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma,, “assegurando-se às partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do país rogante”.

Ofensa à soberania

A ministra igualmente compreendeu que houve nulidade na oitiva do investigado conduzida pelas autoridades estrangeiras. Isto, pelo fato do procurador brasileiro ter se ausentado da sala logo no início da produção da prova oral; cuja condução durou por cerca de cinco horas seguidas.

Para a ministra-relatora, a ausência do membro do Ministério Público Federal, com delegação do protagonismo às autoridades estrangeiras, infringe portaria do próprio órgão ministerial. Posto que, expressamente estabelece que os agentes estrangeiros podem participar das diligências realizadas em território nacional apenas como coadjuvantes das autoridades brasileiras competentes. Devendo estar presentes em todos os atos processuais.

Portanto, delegar a condução da produção de prova oral à autoridade estrangeira é um ato que não encontra nenhum respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. 

Por isso, a ministra declarou: “Trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional; o qual não pode produzir efeitos em investigações penais que estejam dentro das atribuições das autoridades brasileiras. Ademais, a nulidade decorrente do reconhecimento da necessidade de exequátur abrange também a realização do aludido ato”.

Definições

¹ Carta rogatória: é um instrumento jurídico internacional pelo qual um País requer o cumprimento de um ato judicial ao órgão jurisdicional de outro País, para que este coopere na prática de determinado ato processual

² Auxílio direto: é instrumento usado atualmente para facilitar a realização de atos internacionais entre os países

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