STF cassa decisão que retirou especial de Natal da produtora Porta dos Fundos da Netflix

Na sessão realizada nesta terça-feira (03/11), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que havia determinado a suspensão da exibição do vídeo “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, da produtora Porta dos Fundos na plataforma de streaming Netflix. 

Na avaliação dos ministros,  a retirada do material de circulação apenas porque seu conteúdo desagrada a uma parcela da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira. Por essa razão, em decisão unânime, o colegiado julgou improcedente a Reclamação (RCL) 38782.

Ação Civil Pública

A reclamação foi movida pela Netflix, onde a produção humorística foi lançada no início de dezembro de 2019. Após o lançamento, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura ajuizou ação civil pública visando à proibição da veiculação do vídeo e a condenação da produtora e da plataforma ao pagamento de indenização por danos morais, com a alegação de ofensa à honra e à dignidade “de milhões de católicos brasileiros”.

Desdobramentos

No entanto, o pedido foi indeferido pelo juízo da 16ª Vara Cível do Rio de Janeiro e pelo desembargador plantonista do TJ-RJ, que, entretanto, determinou a inserção, no início do filme e nos anúncios sobre ele, de aviso de que se tratava de “sátira que envolve valores caros e sagrados da fé cristã”. 

Contudo, logo após, em outra decisão monocrática, foi determinada a retirada do vídeo pelo relator do recurso no TJ-RJ, sob a justificativa, entre outras, de que a medida seria conveniente para “acalmar ânimos”. 

Todavia, em janeiro deste ano, no recesso forense, o ministro Dias Toffoli, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, suspendeu as duas decisões do Tribunal Regional carioca.

Posição preferencial

No STF, a 2ª turma seguiu o entendimento do relator da reclamação, ministro Gilmar Mendes, no sentido de que a obra não incita a violência contra grupos religiosos, porém constitui mera crítica, realizada por meio de sátira a elementos caros ao Cristianismo. 

Nesse sentido, segundo o ministro, por mais questionável que seja a qualidade da produção artística, o ministro não constatou, em seu conteúdo, fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal.

Liberdade de expressão artística

De acordo com o ministro Mendes, no caso em tela, a liberdade de expressão artística está em posição preferencial em relação às demais liberdades. Na visão do ministro, eventual colisão entre ela e outros direitos constitucionalmente garantidos deve levar em consideração o fato de que o conceito de arte tem sentido amplo, incluindo-se aí obras provocativas, que pretendem atingir fins políticos ou religiosos também por meio de sátiras.

Do mesmo modo, o relator destacou, além dos precedentes destacados pela Netflix, outros que integram jurisprudência da Corte sobre a importância da livre circulação de ideias em um estado democrático. 

No entanto, ressaltou que o Supremo não deixou de atuar quando a intervenção do Poder Judiciário se fez necessária, em situações de evidente abuso da liberdade de expressão. Para o ministro, somente seria possível proibir a exibição do conteúdo e sua censura se fosse caracterizado ato ilícito de incitação à violência ou violador de direitos humanos, o que não se verificou no caso.

Classificação indicativa

Da mesma forma, o ministro-relator ressaltou que a Netflix cumpre as exigências das normas de classificação indicativa e apresenta, de forma clara ao seu público, aviso etário, de gênero e demais informações que permitem a escolha individual da programação, conforme o artigo 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as recomendações contidas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2404. 

Além do mais, por tratar-se de conteúdo veiculado em plataforma de transmissão particular, o usuário pode controlar o acesso e também optar por não assistir o conteúdo oferecido ou ainda cancelar a assinatura do serviço. “Há diversas formas de indicar descontentamento com determinada opinião e de manifestar-se contra ideais com os quais não se concorda, o que nada mais é do que a dinâmica do mercado livre de ideias”, afirmou o relator.

Censura

No entendimento do relator, a censura, com a definição de conteúdos que podem ser divulgados, deve se dar em situações excepcionais, para evitar verdadeira imposição de determinada visão de mundo. “Retirar de circulação material apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira”, ressaltou.

Ao concluir, o ministro Gilmar Mendes destacou que atos estatais, de qualquer de suas esferas de Poder, praticados sob a justificativa da moral e dos bons costumes ou do politicamente correto, apenas servem para inflamar o sentimento de dissenso, de ódio ou de preconceito.

Fonte: STF

Veja mais informações e notícias sobre o mundo jurídico AQUI

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.