Diante do reiterado descumprimento da jurisprudência das cortes superiores pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para fixar o regime aberto a todas as pessoas condenadas no estado por tráfico privilegiado, com pena de um ano e oito meses.
A medida, decidida por unanimidade, foi adotada também em caráter preventivo, para impedir a Justiça paulista de aplicar o regime fechado a novos condenados nessas situações.
Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, apresentados pela Defensoria Pública daquele estado, em março havia 1.018 homens e 82 mulheres cumprindo a pena mínima por tráfico em regime fechado, pois o TJSP não lhes autorizou o regime aberto, nem a substituição da pena.
Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a insistente desconsideração das diretrizes normativas derivadas das cortes superiores, por parte das demais instâncias, “produz um desgaste permanente da função jurisdicional, com anulação e/ou repetição de atos, e implica inevitável lesão financeira ao erário, bem como gera insegurança jurídica e clara ausência de isonomia na aplicação da lei aos jurisdicionados”.
Outrossim, o ministro afirmou que é consolidada e antiga a interpretação do STF de que não é crime hediondo o tráfico de drogas na modalidade prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006.
Referido dispositivo abrange situações em que a quantidade de drogas apreendida não é elevada, o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica a delitos e nem integra organização criminosa.
Nessa situação, a pena pode ser reduzida em até dois terços, chegando ao mínimo legal de um ano e oito meses.
De acordo com Schietti, em decorrência dessa interpretação, o STF já se pronunciou no sentido de que a natureza não hedionda do crime de tráfico privilegiado desautoriza a prisão preventiva sem a análise concreta dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Além disso, afasta a proibição de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, prevista no artigo 44 da Lei de Drogas, e impõe tratamento penal mais benigno.
Não obstante, o ministro observou que, além da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, a Lei 13.964/2019 deu nova redação ao artigo 112, parágrafo 5º, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), e dispôs que “não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/ 2006”.
No entanto, como apontou o relator, é costumeira a desconsideração pelo TJSP das Súmulas 718 e 719 do STF e da Súmula 440 do STJ, que espelham a mesma orientação jurisprudencial.
Neste sentido, o ministro argumentou, ao fundamentar sua decisão:
“O que se pratica, em setores da jurisdição criminal paulista, se distancia desses postulados, ao menos no que diz respeito aos processos por crime de tráfico de entorpecente na sua forma privilegiada, em que a proporcionalidade legislativa – punir com a quantidade de pena correspondente à gravidade da conduta, mas também na sua espécie e em seu regime de cumprimento – é desfeita judicialmente”.
O habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo (HC 596603/SP) em favor de um preso, com pedido de extensão a todos os demais nas mesmas condições.
No caso individual, o réu foi denunciado por armazenar 23 pedras de crack (com peso líquido de 2,9g) e quatro saquinhos de cocaína (com peso líquido de 2,7g), supostamente para comércio ilícito.
Diante disso, ele foi condenado a um ano e oito meses de reclusão, no regime inicial fechado, mais multa.
No caso, o TJSP manteve o regime fechado com base na natureza das drogas, ao argumento de que “quanto maior a capacidade de viciar da droga, em abstrato, maior a reprovabilidade”.
Para Schietti, a fundamentação para manter o regime fechado não foi idônea, uma vez que a quantidade de drogas apreendidas não era relevante e o réu preenchia os requisitos para a caracterização do tráfico privilegiado – tanto que a pena foi fixada no mínimo legal.
Ao fixar o regime aberto em favor do paciente, o colegiado determinou a mesma providência para todos os presos que se encontrem em situação igual no estado e estejam no regime fechado, e também para todos os que forem condenados futuramente.
Em relação aos condenados por tráfico privilegiado com penas acima da mínima, mas menores que quatro anos de reclusão, os ministros determinaram que os juízes das Varas de Execução Penal reavaliem, com a máxima urgência, a situação de cada um, de modo a verificar a possibilidade de fixação do regime aberto em razão do desconto do tempo em que tenham permanecido em prisão preventiva.
Fonte: STJ