Convidados de audiência pública nesta segunda-feira (14) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) sugeriram a tipificação do crime de fraude no sistema de cotas. Conforme afirmaram, têm aumentado os casos de pessoas brancas que se autodeclaram pretas ou pardas para tirarem proveito das cotas em concursos públicos, em disputas por bolsa de estudo ou em seleção para ingresso em universidades públicas.
— Temos que ter um tipo penal específico para essa questão, para servir de aviso àqueles que querem burlar o sistema de cotas raciais. Precisamos estabelecer critérios rígidos para punir os que fraudarem esse projeto social — sugeriu Paulo Sergio Rangel, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
O governo é omisso no enfrentamento do problema, na opinião de Frei David Santos, diretor executivo de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro). A entidade deve apresentar à CDH sugestão de projeto de lei para tornar mais rigorosa a punição dos infratores.
— Após registro [da sugestão] na comissão, eu avoco a relatoria, dou parecer favorável e o projeto começa a tramitar em nome da comissão — explicou o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH.
Frei David citou exemplos de fraudes verificadas em concursos do Itamaraty e da Polícia Federal, no Programa Universidade para Todos (ProUni) e no Programa de Financiamento Estudantil (Fies).
— O índice de fraudes é muito grande. De modo geral, as universidades e os organizadores de concurso público não estão levando a sério averiguação [da autodeclaração]. Precisamos que o governo crie mecanismos para punir os fraudadores e evitar novos casos — defendeu Frei David.
Conforme o diretor da Educafro, a Lei 12.990/2014 estabelece que 20% das vagas nos concursos públicos sejam para candidatos que se declararem pretos ou pardos no ato da inscrição. Não há, no entanto, previsão legal para comprovação da veracidade da declaração e os casos de contestação são cada vez mais frequentes, aumentando a pilha de processos no Judiciário e causando grande prejuízo aos candidatos.
O diplomata Jackson Lima defendeu a adoção de regras complementares à autodeclaração, como a apresentação de foto e a realização de entrevista para os quiserem se beneficiar da política de cotas.
— A verificação de autodeclaração não representa, em hipótese alguma, lesão de direitos — afirmou Lima.
Medidas de verificação também foram consideradas úteis para coibir fraudes na lei de cotas nas universidades públicas (Lei 12.711/2012), que combina critério racial e de renda. Representando a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ronaldo Barros disse que o governo conseguiu reduzir desvios e ampliar o alcance dessa lei.
— Completamos três anos da Lei 12.711/2012 com 100% de implantação nas universidades e institutos federais e ampliação nas universidades estaduais. Só faltam 15 estaduais para que a gente feche o ciclo completo de implantação das políticas de ação afirmativa no ensino superior — disse.
Ele destacou a ajuda dos movimentos sociais no monitoramento da aplicação das cotas nas universidades públicas e disse que a participação de negros cresceu para 34% do total de estudantes nessas instituições.
Conforme afirmou Ronaldo Barros, o governo está atento à implantação à política de cotas no serviço público e tem tomando medidas para impedir o descumprimento da lei.
Também participou do debate Mário Teodoro, consultor do Senado e integrante de grupo que realiza campanha para recolher assinaturas para apresentação de projeto de iniciativa popular para criação de fundo nacional de combate ao racismo.
Como explicou, o fundo foi retirado do Estatuto da Igualdade Racial por recomendação da equipe econômica do governo federal, à época da tramitação da matéria no Congresso.
Agora, um grupo formado por entidades de todo o país busca reunir 1,5 milhão de assinaturas para dar entrada ao projeto de lei que resgata o fundo, que deverá gerar R$ 2,4 bilhões de receita até 2020, para ações afirmativas para inclusão da população negra.
Na audiência pública, representantes do Educafro fizeram a entrega de 30 mil assinaturas em favor do projeto, totalizando 100 mil assinaturas em apoio à criação do fundo, como informou Mário Teodoro.
Ainda durante a reunião da CDH, Paulo Rangel lançou o livro Redução da menor idade penal, avanço ou retrocesso social, de sua autoria. Como explicou, a obra resulta de pesquisas mostrando que a redução de 18 anos para 16 anos da idade mínima para imputabilidade penal não garante a redução da violência.
Na visão do autor, a saída para o problema passa pela ampliação das iniciativas em educação, envolvendo não apenas a escola formal, mas também a prática de esportes e o acesso a atividades culturais, entre outras.
O senador Paulo Paim (PT-RS) anunciou que fará ainda este ano uma audiência pública sobre o tema.
As informações são da Agência Senado.