Escolas brasileiras estão fechadas há quatro meses por conta da pandemia do novo coronavírus. Mas para centenas de alunos ribeirinhos e da zona rural de Porto Velho, o drama vai para o terceiro ano praticamente sem aulas.
É o caso de André Lucas Carril, 15. Desde 2017, ele tenta, sem sucesso, ir à aula. Há três anos, não havia ônibus ou voadeiras (pequenas lanchas) frequentes para levar seus colegas até a escola, na zona rural de Porto Velho. Em outubro de 2018, o colégio vizinho à sua casa fechou as portas, porque os alunos não conseguiam chegar.
O número de crianças atingidas pela falta de transporte é controverso. Em junho de 2019, a prefeitura chegou a estimar que mil estudantes ficaram sem aulas, e depois que o número havia se reduzido para 500. Já o sindicato dos trabalhadores em educação do estado dizia haver milhares de prejudicados, uma vez que ao menos 15 escolas rurais estavam fechadas (algumas atendem 200 alunos).
André mudou-se em janeiro para outro estado para poder estudar, mas também em Humaitá (AM), por causa da pandemia, as aulas pararam em março. Ele só conseguiu frequentar aulas por cerca de 40 dias.
“Meu filho foi para lá tentar recuperar o tempo perdido. Já meu pequeno estava doido para ser matriculado. Falei com o diretor dia desses e ele não tem ideia de quando tudo vai voltar ao normal”, disse Andréia Carril, mãe de André e Aldemir Júnior, 6.
A reportagem visitou por duas vezes os estudantes sem escola na zona rural de Porto Velho, em junho e em dezembro de 2019.
No final do ano passado, na escola municipal Deigmar Moraes de Souza, em Cujubim Grande, as aulas tinham sido retomadas, mas ainda para um pequeno número de alunos.
Depois de aulas em janeiro e fevereiro, quando a maioria já estava se acostumando à rotina de estudar de manhã e à tarde, de segunda a sexta-feira, para repor o conteúdo perdido, veio o anúncio da pandemia da Covid-19. As aulas foram suspensas dia 17 de março.
Auriel Morais, 8, ainda está no segundo ano do ensino fundamental, mas devia estar no quarto ano. A mãe conta das dificuldades com o filho em atraso escolar.
“Quando vocês vieram aqui [em dezembro, quando a escola reabriu], ele estudava com poucos coleguinhas pelos problemas do transporte. A gente ainda tem as dificuldades de comunicação. Eu não tenho celular nem internet em casa”, afirmou Daiane Tomás, em mensagem de áudio enviada pelo celular da mãe de André.
Em setembro do ano passado, a Polícia Federal encontrou irregularidades nos contratos entre a prefeitura, as empresas das voadeiras (lanchas) e dos ônibus. De acordo com a PF, foram desviados pelo menos 20 milhões de reais do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE).
Em outubro de 2019, o Ministério Público Estadual tornou o Governo de Rondônia responsável pelo transporte escolar de Porto Velho. Em janeiro, o serviço de transporte por rios chegou a ser normalizado.
O prefeito de Porto Velho, Hildon Chaves (PSDB), anunciou em janeiro a compra de frota própria de 146 ônibus escolares, que seriam entregues no mês seguinte. Mas em abril, já com as aulas suspensas, chegaram apenas 36 veículos. Em maio, vieram os outros 110. Segundo a prefeitura, o atraso na entrega foi em decorrência das restrições causadas pelo novo coronavírus.
Além da falta de veículos, outro problema é que os poucos que circulavam pelas estradas de terra da zona rural sempre quebravam e, sem manutenção, ficavam parados. Do total de 153 veículos disponíveis para atender os distritos e a zonas rural de Porto Velho, 74 quebravam frequentemente e demoravam a ser repostos.
“No nosso caso, tínhamos dois ônibus à nossa disposição, mas somente um sempre estava rodando. O outro mais vivia quebrado ou com problemas do que funcionando. Aí ficava uma, duas semanas ou até um mês encostado”, disse um funcionário de escola que pediu para não ter a identidade revelada.
Em nota, a prefeitura informou que, neste momento, as aulas presenciais estão suspensas, mas os estudantes recebem acompanhamento virtual com aulas online ou atividades impressas entregues aos pais ou responsáveis.
O retorno às aulas, segundo a nota, “será feito conforme as orientações dos órgãos competentes, adotando um modelo híbrido com aulas presenciais e remotas com sistema de rodízio”.
Os 146 veículos que terminaram de ser entregues em maio pela prefeitura custaram cerca de R$ 36 milhões, de verbas municipais e de emendas de deputados federais. Os ônibus estão estacionados em um shopping da capital até a retomada das aulas. *Informações da Folha de S.Paulo