Imagine acordar e dormir todos os dias com medo de ser vítima de uma bala perdida? Esta é a realidade de milhões de brasileiros que vivem nas cidades mais violentas do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, confrontos armados são responsáveis pela morte de centenas de pessoas todos os anos. Mas o impacto não é só este.
Ao menos é o que aponta uma nova pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec). De acordo com a análise, o ato de conviver diariamente com tiroteios na região em que reside também pode ter consequências diretas na saúde mental e até mesmo físicas dos moradores. Há, por exemplo, um registro de aumento de doenças como:
Para chegar nestas conclusões, a pesquisa em questão ouviu relatos de 1,5 mil pessoas de seis comunidades da cidade do Rio de Janeiro. A ideia do projeto foi comparar os níveis de registros de doenças em comunidades mais violentas, com os níveis de registros de doenças físicas e/ou mentas em favelas menos violentas.
Comunidades pesquisadas com altos índices de tiroteios:
Comunidades pesquisadas com baixos índices de tiroteios:
O resultado da pesquisa foi claro. Segundo os dados levantados, os riscos de moradores de favelas mais violentas desenvolverem depressão e ansiedade, por exemplo, é mais do que o dobro do risco daqueles que moram nas comunidades com menos tiroteios.
Entre os entrevistados que indicaram casos de insônia, 73% moram nas favelas de maior risco. Um terço dos moradores dessas comunidades também registrou sudorese, falta de sono, tremor e falta de ar durante os tiroteios.
“A política de segurança não promove segurança de verdade e promove, por outro lado, medo, adoecimento e, muitas vezes, morte”, afirma a socióloga Rachel Machado, coordenadora da pesquisa.
“Utilizou-se 2019 para os registros de tiroteios porque é anterior à pandemia, que impactou o funcionamento dos serviços de saúde no Brasil”, diz o texto da pesquisa.
Vale lembrar que em junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar vetando operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus, sob pena de responsabilização civil e criminal.
Na ocasião, a letalidade policial caiu mais de 73% no estado. De todo modo, anos depois daquela decisão, o número de mortes de pessoas inocentes voltou a crescer no Rio de Janeiro. Em muitos casos, pais estão perdendo suas crianças por causa das balas perdidas.
“Existe uma escolha política por sistematicamente fazer operações violentas, que causam esse impacto na saúde dos moradores, que transformam a rotina deles e não dão paz nem dentro de casa. Também os impedem de acessar um direito tão fundamental, que é o direito à saúde, garantido pela Constituição. Existe uma unidade de saúde próxima à sua residência, para você ser atendido e você não pode por causa dos tiroteios”, argumenta Rachel.
A Polícia Militar (PM) afirma que trabalha para ajudar as comunidades. “A opção inconsequente pelo confronto armado é sempre dos criminosos. Nossas ações são pautadas por informações de inteligência e planejamento prévio, tendo como preocupação central a preservação de vidas e o cumprimento irrestrito da legislação em vigor”.
Já a Polícia Civil também disse que trabalha para preservar a vida dos moradores. “A Polícia Civil acrescenta que a atuação em comunidades é parte das ações de combate à criminalidade e se trata de trabalho fundamental, uma vez que as organizações criminosas utilizam os recursos advindos com as práticas delituosas para financiar seus domínios territoriais, com a restrição de liberdade dos moradores das regiões ocupadas por elas”.