Na sessão finalizada nesta quinta-feira (22/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou decisões liminares nas Ações Cíveis Originárias (ACOs) 854, 1076 e 1093 para determinar que o direito exclusivo de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na importação do gás natural proveniente da Bolívia que entra em território brasileiro na Estação de Medição Mutum (E-MED Mutum), no Município de Corumbá (MS), região de fronteira entre o Brasil e Bolívia é do Estado de Mato Grosso do Sul (MS). A decisão possui validade para os atuais contratos de importação de gás natural da Bolívia pelo gasoduto Gasbol.
Dessa forma, o Plenário, por maioria de votos, confirmou liminares em três ações e proibiu os estados de SP, SC e RS de procederem à autuação ou ao lançamento do ICMS sobre operações de importação do gás boliviano.
Conforme a decisão majoritária, os Estados de São Paulo (SP), Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS) estão proibidos de proceder a qualquer tipo de autuação ou lançamento tributário do ICMS incidente sobre as operações de importação do gás advindo da Bolívia, realizada pela Petrobras em Corumbá, e de prosseguir com as cobranças já iniciadas.
Nas ações, o governo de MS requereu que fosse declarado o direito exclusivo do estado de tributar o gás natural boliviano com ICMS, sob o argumento de que é em seu território que se completa a importação do produto pela Petrobras, desde o início do funcionamento do gasoduto da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG).
O ministro Gilmar Mendes, relator das ações, considerou que, conforme a Constituição Federal (artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a”): o ICMS caberá ao estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria ou do bem.
Entretanto, a Carta não definiu qual deve ser considerado o estabelecimento destinatário da mercadoria. Nesse sentido, a Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), numa tentativa de regulamentar o dispositivo, determina (artigo 11, alínea “d”) que o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e da definição do estabelecimento responsável, é onde ocorrer a entrada física da mercadoria.
Entretanto, o ministro destacou que a jurisprudência do Supremo se firmou no sentido de que a circulação que importa para a incidência do ICMS é a circulação econômico-jurídica de bens, o que significa a alteração da titularidade sem a necessidade do deslocamento físico da mercadoria.
De acordo com Gilmar Mendes, a própria Lei Kandir dispensa a entrada física dos bens no estabelecimento para que ocorra a compensação do imposto. Ou seja, o direito de crédito existe a partir da circulação jurídica de bens, independentemente da circulação física.
Nesse sentido, o relator esclareceu que a importação nem sempre envolve a necessidade de entrada física dos bens no estabelecimento destinatário da importação. Da mesma forma, pode ocorrer a entrada ficta, contábil ou simbólica da mercadoria. A conclusão sobre quem será o destinatário jurídico do bem dependerá da análise do negócio jurídico firmado entre as partes e das circunstâncias fáticas do caso.
Segundo o ministro, sob a análise das relações jurídicas no caso concreto, o sujeito ativo decorrente do ICMS é o Estado de Mato Grosso do Sul, onde está o estabelecimento importador da Petrobras, destinatário legal da mercadoria e que deu causa à circulação do gás, com a transferência de domínio. O ministro assinalou que as cláusulas do contrato de compra e venda celebrado entre a Petrobras e a petrolífera boliviana enfatizam o lugar de cumprimento da obrigação de entregar o produto importado, entre as localidades de Puerto Suárez (Bolívia) e Corumbá (Brasil).
Do mesmo modo, o contrato celebrado entre a Petrobras e a Companhia de Gás São Paulo (Comgás) deixa claro que o gás importado da Bolívia é comercializado pela estatal brasileira, já internalizado no território nacional.
Na avaliação do ministro-relator, esse contrato, bem como os firmados com os demais estados requerentes, possuem natureza de compra e venda, porquanto estabelece diversas obrigações à Petrobras, inclusive a responsabilidade pelas características e pela constância da qualidade do produto, o que demonstra que a sociedade de economia mista não é uma mera prestadora de serviços dos estados. Portanto, na visão do ministro, trata-se, não de importação por conta e ordem de terceiro com as companhias estaduais, mas sim, de importação própria sob encomenda.
Além disso, o ministro explicou que a Lei 11.909/2009 (Lei do Gás) permite a importação direta do gás natural por empresas públicas e privadas, até mesmo por meio do gasoduto Gasbol, o que desvia a titularidade ativa do ICMS para o estado destinatário.
Nessa situação, a Petrobras ou a TBG seriam contratadas apenas como prestadoras de serviços, na modalidade importação direta ou importação por conta e ordem de terceiro. Diante disso, o ministro afirmou: “Até que seja alterado o destinatário jurídico da importação, o sujeito ativo decorrente do ICMS-Importação é o estado-membro em que situado o estabelecimento importador da Petrobrás-MS, qual seja: o Mato Grosso do Sul”. O entendimento do ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes abriu divergência, ao votar pela improcedência das ações. Conforme argumentou, do ponto de vista operacional, em nenhum momento, durante o curso do gás, o produto é disponibilizado fisicamente a Mato Grosso do Sul, pois sai da Bolívia direto para os estados destinatários. No entendimento do ministro, a Petrobras localizada em Corumbá, funciona somente como uma intermediária. “Não podemos transformar uma estação de medição, localizada em território estrangeiro, em compradora e depois em revendedora”, afirmou. O voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Rosa Weber.
Fonte: STF
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