Um novo modelo de crédito está ganhando força no Brasil, despertando tanto entusiasmo quanto controvérsia. Nesta modalidade, os consumidores têm a opção de utilizar seus smartphones como garantia para obter empréstimos. Embora essa abordagem prometa democratizar o acesso ao crédito, ela também levanta questões sobre transparência, ética e regulamentação.
No coração desta tendência está a premissa de que o celular, um bem essencial na sociedade moderna, pode servir como uma garantia para operações de crédito. As instituições financeiras que adotam esse modelo permitem que os clientes obtenham empréstimos rapidamente, usando seus dispositivos móveis como aval.
Esse nicho de crédito com garantia de celular está se expandindo rapidamente, atraindo um público-alvo específico: pessoas de classes socioeconômicas mais baixas. Esses consumidores, muitas vezes excluídos dos canais tradicionais de crédito, encontram nessa modalidade uma oportunidade para obter capital de maneira acessível.
No entanto, essa conveniência vem com um preço alto. As taxas de juros cobradas por essas operações podem ser exorbitantes, chegando a ultrapassar 600% ao ano. Essa realidade suscita preocupações sobre a capacidade dos mutuários de quitar suas dívidas e evitar um ciclo vicioso de endividamento.
Para iniciar o processo, os clientes precisam baixar um aplicativo específico em seus smartphones. Esse aplicativo atua como um “super administrador” do dispositivo, obtendo permissões especiais para acessar e controlar diversos recursos e aplicativos instalados.
Durante a etapa de simulação, os consumidores são solicitados a autorizar a emissão de uma Cédula de Crédito Bancário (CCB) junto ao Banco Central. Essa cédula é um título emitido em nome do devedor em favor da instituição financeira, comprometendo-o a quitar o empréstimo.
Em caso de inadimplência, o aplicativo instalado no celular do cliente é acionado, bloqueando parcialmente o dispositivo. Embora serviços essenciais como chamadas de emergência, SMS e alguns aplicativos específicos permaneçam acessíveis, grande parte das funcionalidades do smartphone fica inutilizada.
Essa medida tem um impacto significativo na vida dos consumidores, dificultando o acesso a serviços básicos, como saúde, transporte e benefícios sociais. Muitos relatam dificuldades para desinstalar o aplicativo de controle, mesmo após quitarem suas dívidas ou desistirem do empréstimo.
Nas redes sociais e em sites de reclamação, empresas que oferecem essa modalidade de crédito acumulam relatos de clientes insatisfeitos. A principal queixa é a dificuldade para remover o aplicativo de bloqueio do celular, mesmo após o pagamento da dívida ou a desistência do empréstimo.
Organizações de defesa do consumidor, como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), classificam essa prática como abusiva e ilegal. Eles argumentam que o bloqueio do celular é uma forma de coerção que viola direitos fundamentais, como o acesso à saúde e à informação.
Diante das crescentes preocupações, o Ministério Público do Distrito Federal e o Idec entraram com uma ação judicial contra a SuperSim, uma das principais empresas que operam nesse modelo. Inicialmente, eles conseguiram uma sentença provisória favorável, impedindo a empresa de exigir a garantia do celular.
No entanto, em uma reviravolta, a segunda instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal suspendeu a proibição até que o caso seja analisado definitivamente.
Atualmente, essa modalidade de crédito funciona no Brasil sem uma regulamentação específica do Banco Central (BC). Questionado sobre o tema, o BC afirmou que as instituições financeiras têm liberdade para realizar operações de crédito, desde que obedeçam às leis e normas aplicáveis.
No entanto, o BC enfatizou que a regulamentação vigente exige que as instituições forneçam informações claras aos clientes sobre penalidades, riscos e condições dos empréstimos, permitindo uma escolha livre e informada.
O uso de smartphones como garantia de empréstimos é uma tendência disruptiva que desafia as convenções tradicionais do setor financeiro. Embora ofereça oportunidades de acesso ao crédito, essa prática também levanta preocupações legítimas sobre transparência, ética e proteção ao consumidor.