O Ministério Público do Trabalho (MPT) e Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo da 15ª Região, na última quarta-feira (30/09), fizeram o regate de oito trabalhadores em condições análogas à escravidão, em uma fazenda em Mogi Guaçu (SP), em operação conjunta realizada pelo MPT com o apoio da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e de agentes da Secretaria Regional de Segurança Institucional do MPT.
A operação também contou com a presença de uma juíza do trabalho plantonista do Comitê para a Erradicação do Trabalho Escravo Contemporâneo, do Tráfico de Pessoas, da Discriminação de Gênero, Raça, Etnia e Promoção de Igualdade do TRT-15.
No decorrer da diligência, a juíza conduziu uma audiência no próprio local, das 14h às 19h, para a colheita de provas e garantia dos direitos.
A ação cautelar de tutela antecedente, movida pelo MPT, teve como objetivo principal e imediato, resgatar esses trabalhadores para que pudessem retornar a sua cidade com algum pagamento.
Assim, finalizada essa fase, o MPT deve dar continuidade com uma Ação Civil Pública (ACP) ou com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para os empregadores.
No entanto, segundo a juíza plantonista, mais do que a punição, sobretudo financeira, dos empregadores, “o mais importante para o MPT e para o Comitê é promover uma mudança cultural dos patrões, para que no futuro haja vantagem real para empregados e empregadores, com um custo justo e digno, uma vez que é impossível haver liberdade econômica enquanto tiver que se escolher entre miséria absoluta e miséria com migalhas”.
Os oito trabalhadores, seis homens e duas mulheres, foram trazidos em fevereiro deste ano de Taiobeiras, norte de Minas Gerais, para o cultivo de jiló, berinjela e abobrinha.
Curiosamente, já somam quatro anos que esses mesmos trabalhadores vêm a São Paulo para executar o mesmo trabalho, nas mesmas condições.
De acordo com as informações levantadas, esses trabalhadores foram submetidos a jornadas exaustivas, servidão por dívida e condições degradantes, tipificando, conforme a decisão proferida pela Justiça do Trabalho, exploração de trabalho humano em condições análogas à escravidão.
Os seis homens trabalhavam no plantio e colheita, e duas mulheres (esposas de dois trabalhadores), sem registro em carteira, eram responsáveis pela preparação de todas as refeições.
Os empregadores, um casal, eram arrendatários de terras na região de Mogi Guaçu. A chegada dos trabalhadores à cidade do interior paulista se deu em ônibus clandestino, com passagens custeadas pelos próprios empregados, em desconformidade com instrução normativa que obriga o empregador a registrar os contratos desde o local de origem e assumir o custeio do traslado.
Os trabalhadores homens foram registrados 30 dias após a sua chegada, e as cozinheiras permaneceram trabalhando na informalidade até a decisão judicial que reconheceu o vínculo empregatício.
De acordo com a decisão, em 01/10, da juíza plantonista do Comitê pela Erradicação do Trabalho Escravo do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), provocada por ação cautelar ajuizada pelo MPT, a prova produzida “deixa evidente a existência de gravíssimas violações a direitos fundamentais dos trabalhadores”.
Assim, as ocorrências fundamentam-se pela ausência de registro das empregadas e pelo fato de que os trabalhadores receberam valores inferiores ao acertado pelo trabalho realizado entre fevereiro e junho de 2020. Do mesmo modo, serviu de fundamento a submissão a jornadas extenuantes, muitas vezes cumprida regularmente das 3h às 22h, de domingo a domingo (portanto, sem folga semanal) e com intervalo de apenas 10 minutos para descanso e alimentação.
Quanto às moradias, conforme a inspeção judicial realizada no local, não possuíam condições de habitação, sujeitando os moradores, que incluíam crianças e adolescentes, a condições degradantes de vida: não possuíam forro nos tetos com muitas telhas quebradas, deixando os trabalhadores e suas famílias desprotegidos de intempéries e da presença de animais peçonhentos, como escorpiões e cobras, além de animais vetores de doenças graves, como ratos e morcegos. Uma das trabalhadoras resgatadas declarou que foi picada por escorpião em duas ocasiões diferentes.
Da mesma forma, não havia mesas, cadeiras e camas nas moradias. Os poucos móveis que foram fornecidos pelo casal-empregador (sofás e alguns colchões), eram velhos e inadequados ao uso, tendo os próprios trabalhadores comprado geladeiras, fogões, colchões, roupas de cama e banho e utensílios domésticos.
Além disso, as moradias não possuíam despejo adequado de esgoto, que era lançado no solo, próximo ao local de onde se retirava a água para uso doméstico, inclusive para o preparo dos alimentos.
Assim, a água consumida nas moradias vinha de um lodaçal, no qual também era despejado o esgoto (e claramente inapropriada ao consumo), sem qualquer tratamento, representando um risco grave à saúde dos trabalhadores e suas famílias.
O pagamento previsto para o final do contrato de trabalho, referente à produção agrícola, teria o desconto dos valores “antecipados” a título de alimentação, vales e também das despesas com ferramentas agrícolas: adubo, veneno, uniformes, EPIs, marmitas, garrafões térmicos.
Além disso, descontava-se o aluguel das moradias (R$ 300,00 por mês, para cada moradia), valor do arrendamento da terra, despesas com a construção de barracão para seleção e armazenamento dos produtos colhidos, energia elétrica, lâmpadas das residências, instalação de chuveiros elétricos e o frete dos produtos.
De acordo com os trabalhadores, eles foram coagidos a assinar recibos de salários, mesmo sem receber o respectivo pagamento, e ainda, carta de demissão, de próprio punho, cujo teor foi apresentado pelos empregadores em modelo para ser copiado.
Os equipamentos de proteção individual, necessários e adequados, não foram fornecidos em sua totalidade, sobretudo, para a atividade relacionada ao manuseio de veneno, que foi realizada sem a proteção de máscaras.
O MPT ingressou com ação cautelar de tutela antecedente na Justiça do Trabalho, pedindo o reconhecimento de trabalho escravo e a concessão de seguro desemprego, por 3 meses, aos trabalhadores prejudicados, no valor correspondente a um salário mínimo cada parcela.
Do mesmo modo, o pagamento, pelos empregadores, do equivalente a R$ 4.586,66, a título de verbas rescisórias, para cada um dos trabalhadores; e também, o custeio do retorno de todos eles à sua cidade de origem, incluindo alimentação.
Assim, para garantir o pagamento, o MPT requereu o arresto dos valores e bens dos empregadores. Igualmente, foi requerido a entrega das carteiras de trabalho de todos os trabalhadores, devidamente registradas, inclusive das mulheres.
A juíza plantonista do Comitê pela Erradicação do Trabalho Escravo do TRT-15 proferiu a decisão, atendendo os pedidos, impondo multa diária de R$ 1.000,00 por trabalhador prejudicado, para cada obrigação descumprida.
A decisão, com força de alvará, determinou à Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo a imediata inscrição dos trabalhadores resgatados no Programa de Seguro Desemprego Trabalhador Resgatado.
Do mesmo modo, foi determinado, na mesma decisão, o levantamento do FGTS dos empregados.
Portanto, em cumprimento à ordem judicial, todos os trabalhadores e seus filhos, no último sábado (3/10), receberam as verbas rescisórias, carteira de trabalho e custeio de alimentação, sendo transportados para casa em transporte custeado pelos empregadores, que também providenciaram caminhão de mudança para o transporte dos pertences.
Fonte: TRT-15
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