No julgamento do habeas corpus (HC) 588159, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou parte da ação penal contra um membro do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) investigado na Operação Zelotes, que apurou esquema de corrupção no julgamento de recursos administrativos que envolviam empresas e pessoas físicas acusadas de sonegação fiscal e previdenciária.
Para o colegiado, em relação ao período entre 2009 e 2012, a denúncia do Ministério Público apresentou as condutas supostamente ilícitas de maneira abstrata e genérica, prejudicando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
De acordo com as investigações, o grupo criminoso manipulava o julgamento de processos administrativos no Carf em troca de propina.
Entre os integrantes do grupo, estariam sócios de empresas de consultoria e membros do conselho.
Em um desses processos, a denúncia aponta a participação do conselheiro no favorecimento de empresa que não havia obtido sucesso em procedimento administrativo, e que teria contratado o grupo criminoso para reverter a situação.
Após novo julgamento – que contou com a participação do conselheiro investigado –, a empresa teria obtido o direito de ser ressarcida pela União em mais de R$ 37 milhões.
O conselheiro foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ao analisar o primeiro pedido de habeas corpus, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reconheceu que, em relação ao chamado “quarto período” (anos de 2009 a 2012), houve apenas a afirmação genérica de que o conselheiro teria recebido vantagem indevida, sem a descrição de qual seria a vantagem, da forma de recebimento ou do valor.
Todavia, o TRF1 entendeu que, em razão de ainda existirem indícios da obtenção de propina nos autos, seria necessário o melhor esclarecimento dos fatos, motivo pelo qual o trancamento da ação penal foi negado.
Relator do novo pedido de habeas corpus no STJ, o ministro Nefi Cordeiro lembrou que toda denúncia precisa preencher os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), devendo conter a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado ou os esclarecimentos para que se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.
“As exigências contidas no artigo 41 do CPP foram estabelecidas para garantia e efetividade do princípio da ampla defesa, pois é imperioso que a peça acusatória contenha de forma especificada a imputação, ou seja, a exposição com rigor de detalhes dos fatos criminosos que tenham sido praticados, de forma a permitir ao acusado condições de formular sua defesa no limite da acusação penal que lhe é imposta”, explicou o ministro.
No caso dos autos, Nefi Cordeiro ressaltou que o Ministério Público, ao descrever o fato criminoso, não indicou precisamente qual seria a vantagem ilícita recebida pelo conselheiro – o que não é admissível, pois não há responsabilidade penal objetiva.
Em relação à suposta ocultação de valores transferidos aos investigados, o relator também considerou a denúncia genérica, sem que tenha havido a individualização da conduta do conselheiro na apontada dissimulação.
“De fato, verifica-se que a inicial acusatória mostra-se genérica e imprecisa, porquanto não foram demonstrados os atos do paciente capazes de se amoldarem aos tipos penais previstos no artigo 317, parágrafo 1º, do Código Penal (corrupção passiva) e no artigo 1º da Lei 9.613/1998 (lavagem de dinheiro), notadamente porque não mencionada qual vantagem indevida ou promessa de tal vantagem teria sido solicitada ou recebida, tampouco como e quando a percepção ilícita teria ocorrido e se houve pagamento indevido”, concluiu o ministro.