‘Kit covid’ de ‘tratamento precoce’ aumenta risco de morte, dizem chefes de UTIs

Embora defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ‘kit covid’ de ‘tratamento precoce’ aumenta o risco de mortes de pacientes graves, segundo diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência. As afirmações foram feitas em entrevista à BBC Brasil.

O médico intensivista Ederlon Rezende, coordenador da UTI do Hospital do Servidor Público do Estado, em São Paulo, diz que a Covid-19 grave é desenvolvida apenas por cerca de 15% a 20% dos infectados pelo coronavírus.

Portanto, para cerca de 85%, o ‘kit covid’ não vai ajudar em nada e pode não prejudicar, se o paciente não tomar em doses excessivas e não tiver doenças pré-existentes que possam ser agravadas com medicamentos que fazem parte do ‘tratamento precoce’, como a ivermectina e a hidroxicloroquina.

No entanto, para esses 15% ou 20% que desenvolvem Covid-19 grave e precisam de internação hospitalar, o ‘kit covid’ pode prejudicar o tratamento e contribuir para a morte do paciente.

“A preocupação maior é com os 15% que desenvolvem forma grave da doença e acabam vindo para a UTI. É nesses pacientes que os afeitos adversos dessas drogas ocorrem com mais frequência e esses efeitos podem, sim, ter impacto na sobrevida”, diz Rezende, que é ex-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.

‘Kit covid’ também mata indiretamente

O ‘tratamento precoce’ também mata indiretamente, pois as pessoas que fazem uso dos medicamentos tentem a demorar mais para procurar atendimento médico após contrair o coronavírus. Além disso, a verba gasta pelo governo com o ‘kit covid’ poderia ter sido aplicada em outras áreas da Saúde ou em campanhas de conscientização.

“Alguns prefeitos distribuíram saquinho com o ‘kit covid’. As pessoas mais crédulas achavam que tomando aquilo não iam pegar covid nunca e demoravam para procurar assistência quando ficavam doentes”, diz Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

“A falta de organização central e as informações desconexas sobre medicação sem eficácia contribuíram para a letalidade maior na nossa população. Não vou dizer que representa 1% ou 99% (das mortes), mas contribuiu”, completou Carlos Carvalho, que também é professor da Faculdade de Medicina da USP.

Efeitos colaterais do ‘tratamento precoce’

Segundo a pneumologista Carmen Valente Barbas, que atua no Hospital das Clínicas e no Albert Einstein, em São Paulo, a maioria dos pacientes que ela atende fizeram uso dos medicamentos do ‘kit covid’.

“A maior parte está tomando essas medicações. Em toda videoconsulta que eu faço, as pessoas dizem que estão tomando e tomando em doses cavalares”, disse à BBC News Brasil.

“Esses remédios não ajudam, não impedem o quadro de intubação, e trazem efeitos colaterais, como hepatite, problema renal, mais infecções bacterianas, diarreia, gastrite. E a interação entre esses medicamentos pode ser perigosa”, completa Barbas, que é professora de medicina da USP e referência internacional em ventilação mecânica.

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