Uma questão de Geopolítica no concurso público da Polícia Rodoviária Federal (Concurso PRF) segue dando o que falar. O item cobrado pelo Cebraspe, banca organizadora, trouxe uma questão incorreta, ou, no mínimo, com falhas no comando da questão que comprometeram o julgamento objetivo do quesito.
Por conta disso, a equipe do Notícias Concursos procurou Jorman Santos, Mestre em Geografia Urbana, especialista em planejamento de cidades e especialista em ensino de geografia (veja o currículo completo aqui), para comentar a questão.
Inicialmente, o item cobrado requer do candidato o conhecimento sobre grandes metrópoles e a estrutura urbana brasileira. Veja o item:
(Questão Cebraspe – PRF 2021) As metrópoles brasileiras são arranjos populacionais acima de um milhão de habitantes que exercem influência direta sobre os demais níveis de cidades na rede urbana.
O gabarito preliminar da banca divulgado na semana passada trouxe a questão como correta. No entanto, segundo o professor Jorman, a questão deve ser ANULADA. De acordo com o docente, a questão é muito subjetiva, dando margem a diversas interpretações.
“De antemão, eu já vou dizer. Não se trata de erro geográfico, mas sim de um equívoco na interpretação da questão. O item acaba dando margem para múltiplas interpretações. De fato, quando a gente se refere à metrópole, a gente está falando de hierarquia urbana, níveis de influência, que uma cidade ou um conjunto de cidades exerce dentro da sua rede urbana. No caso das metrópoles, elas estão no topo desse nível hierárquico, se a gente considerar a rede urbana dentro de um país.”
“As metrópoles têm o nível mais alto de hierarquia. Porém, a questão afirma que as metrópoles são cidades com mais de um milhão de habitantes. Evidentemente que por possuírem um nível hierárquico tão elevado, exercerem um grau de influência e importância sobre as demais cidades muito grande também, há a tendência natural de atrair um número maior de pessoas para habitar nessas cidades”.
“Até a década de 60 nós tínhamos apenas duas com mais de 1 milhão de habitantes. E essa realidade ela muda pouco nos anos 70. Nos anos 80, nós temos um número maior de cidades. Nos anos 90 e 2000, essa tendência se amplia, mais cidades se tornam metrópoles no Brasil. Hoje, já são mais de dezenas, mais de seis dezenas de cidades que podem ser consideradas como metrópoles no Brasil. A principal delas, capitais do Estado, mas também nós temos importantes cidades do interior do país que exercem um nível de influência para serem consideradas como metrópoles, como é o caso de Campinas, em São Paulo, e Feira de Santana, na Bahia.
“Mas nós não podemos afirmar aqui que todas as metrópoles do país possuem mais de um 1 milhão de habitantes. Por exemplo, a cidade de Feira de Santana-BA, a segunda maior cidade da Bahia, já tem a sua própria região metropolitana. Ela é a sede, é a principal cidade, é a cabeça de uma rede urbana no interior do Estado e que tem cidades chaves ao entorno dela e que compõem essa rede urbana. A cidade de Feira de Santana ela tem pouco mais de 600 mil habitantes, segundo estimativas do IBGE em 2020. Porém, como a gente analisa com um nível de importância, um nível de influência de Feira de Santana, por exemplo, a gente não analisa apenas a população residente, mas também a população flutuante. Ou seja, as cidades vizinhas a Feira de Santana, muitas delas, em um processo de conurbação, ou seja, unidas onde sua mancha urbana é unida, são duas cidades, mas o espaço urbano é praticamente o mesmo”.
“Essas pessoas que residem nessas cidades menores, acabam utilizando muito os serviços de Feira de Santana e fazem parte dessa população flutuante. Mas não só a população residente nas cidades que integram a região metropolitana, cidades mais afastadas, cidades pertencentes a outros Estados, acabam vindo para Feira de Santana, utilizar o comércio, serviços de saúde, educação e negócios”.
“O enunciado da questão dá margem para múltiplas interpretações. Está correto eu dizer que dentro de uma hierarquia, ao se referir a metrópole, região metropolitana, de fato, essas cidades exercem uma influência grandiosa. Por outro lado, ao afirmar que as cidades consideradas como metrópoles possuem mais de 1 milhão de habitantes, não dando margem para exceções, abre espaço para que essa questão questionada, a sua validade tem que ser revista. Abre espaço para múltiplas interpretações”.
“Vamos ver o que Milton Santos fala sobre metrópoles. A maioria dos estudos metropolitanos no Brasil é marcado por preocupações adjetivas e visões de detalhes. Isso se deve em grande parte por conta de dois fatores interligados: um no que diz respeito ao planejamento limitado e restritivo e outro de estudos que tiveram procedimentos para darem respostas a questões tópicas, como, casas, transportes, etc. Então, Milton Santos faz esse contraponto com relação ao estudo das cidades brasileiras, mais especificamente na questão das metrópoles, que sempre houve uma preocupação muito grande com a questão adjetiva, o que é e o que não é metrópole”.
“Só que hoje, século XXI, com muitos mais estudos sobre a rede urbana, sobre o processo de urbanização no Brasil e no mundo e em consequência sobre a questão da metropolização, não é mais o tamanho das cidades ou o seu adensamento populacional, que define se ela é ou não metrópole, mas é o seu grau de influência, o quanto ela consegue se relacionar com espaços para além do seu limite territorial, para além da sua rede urbana, então os serviços, a própria função, as características dessas cidades, vão defini-la hierarquicamente dentro de um espaço urbano”.
“A avaliação que eu faço especificamente sobre a questão é que ela deve ser ANULADA, pois ela permite múltiplas interpretações”. Veja a explicação do professor em vídeo:
O comentário do professor Jorman vai ao encontro da opinião de outro especialista da área. O gabarito preliminar da banca foi dado como correto. No entanto, segundo o professor Alex Mendes, Geografo, Filosofo e Economista, a questão está incorreta.
“Uma das formas de caracterizar, embora não seja a mais importante nem a principal forma de caracterização, as metrópoles, normalmente têm um milhão de habitantes. No entanto, a banca não especifica no comando da questão se a metrópole é Regional ou Nacional”, disse ele no canal do Youtube da Folha Dirigida.
“O que nós aprendemos é que a partir da década de 90 o Brasil passa a ter uma nova hierarquia urbana que é horizontalizada, em que a metrópole nacional se comunica diretamente com as metrópoles regionais, com os centros regionais, com as cidades locais e com as vilas. Mas a questão não diz se a metrópole é nacional ou regional, daí não seria verdade dizer que uma metrópole regional, como, por exemplo, Recife, no Nordeste, ou Cuiabá, no Centro-Oeste, exerce influência direta sobre a toda rede urbana brasileira. Portanto, a alternativa está INCORRETA”.
O professor ainda acrescenta o que a questão deveria ter trazido para ser julgada como “Correta” no Gabarito do Cebraspe. Segundo ele, o examinador deveria ter expressamente colocado o termo “Nacional” na questão, uma vez que ao utilizar o termo “Metrópoles Brasileiras”, é possível inferir que essa pode ser Regional ou Nacional. Por esse descuido, esta deverá ser a única questão anulada da matéria de Geopolítica.
“A questão só seria correta, se estivesse escrito na questão, claramente, uma Metrópole Nacional. Ou seja, a questão está Incorreta”, concluiu o professor.
Um grupo em uma rede social com quase 1.000 candidatos confirmou que entrou com recurso contra questão, que deverá ser anulada pela banca Cebraspe. Em tom de muita reclamação, os estudantes questionam a banca sobre o alto grau de subjetividade das questões da prova, o que muitas das vezes impossibilita o candidato de julgar o item corretamente.