O câncer do colo do útero é uma doença grave que afeta milhares de mulheres em todo o mundo. No Brasil, a Fundação do Câncer realizou um estudo intitulado “Um Olhar sobre o Diagnóstico do Câncer do Colo do Útero no Brasil”, que revelou dados alarmantes sobre o acesso e a realização do exame citopatológico, conhecido como Papanicolau. De acordo com o estudo, 21,4% das mulheres que realizam o exame estão fora da faixa etária recomendada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é entre 25 e 64 anos de idade.
O exame citopatológico, mais conhecido como Papanicolau, é um procedimento fundamental para o rastreamento do câncer do colo do útero. Recomenda-se que mulheres que já tenham iniciado a atividade sexual, homens trans e pessoas não binárias designadas mulher ao nascer realizem o exame a cada três anos. No entanto, o estudo revelou que muitas mulheres estão realizando o exame antes dos 25 anos, o que pode ser problemático.
Em entrevista à Agência Brasil, a consultora médica da Fundação do Câncer, Flavia Correa, explicou que realizar o Papanicolau antes dos 25 anos é arriscado, pois nessa faixa etária é comum a prevalência de infecção por HPV. Embora a infecção por HPV nessa faixa etária geralmente regrida espontaneamente, se for diagnosticada, pode levar a investigações desnecessárias e tratamentos inadequados.
O estudo também revelou que uma parcela significativa de mulheres brasileiras nunca realizou o rastreamento do câncer do colo do útero. Entre as mulheres que nunca fizeram o exame, 45,7% estão na faixa etária de 25 a 34 anos. Essa tendência se repete em todas as regiões do país, com índices ainda mais altos nas regiões Norte e Centro-Oeste. Essa falta de realização do exame está diretamente relacionada aos altos índices de mortalidade nessas regiões.
Um dos principais problemas identificados é a falta de organização do sistema de saúde para a entrega dos resultados dos exames. Muitas vezes, as mulheres são orientadas a retornar em 30 ou 60 dias para buscar o resultado, porém, nem sempre o exame está pronto nesse período. Além disso, nem todas as unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) são informatizadas, o que dificulta o encaminhamento dos laudos pela internet.
Essa falta de organização acaba frustrando e desmotivando as mulheres, principalmente aquelas que já têm dificuldades financeiras para ir até uma unidade de saúde ou que não têm com quem deixar os filhos. Essa falta de acompanhamento compromete toda a linha de cuidado, pois se houver uma alteração no exame, a mulher não buscará o resultado e não realizará a confirmação do diagnóstico e um eventual tratamento, se necessário.
O estudo também apontou que apenas 40% das mulheres que realizaram o exame pelo SUS receberam o resultado em até 30 dias. Na rede privada, esse percentual é superior a 90%. Além disso, cerca de 10% das mulheres que realizaram o Papanicolau pelo SUS nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte nunca tiveram acesso aos resultados dos exames. Esse número cai para 2% na rede privada em todo o país.
Um dos fatores que contribuem para a baixa realização do exame é a baixa escolaridade das mulheres. O estudo revelou que as mulheres que nunca fizeram o exame apresentam baixa escolaridade, baixa renda, não são casadas e têm cor negra ou parda. Esses dados refletem a desigualdade social e a falta de acesso aos serviços de saúde por parte das camadas mais vulneráveis da população.
Enquanto não houver mudança no método de rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil, a Fundação do Câncer orienta que as mulheres sigam as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde em relação à população-alvo e à periodicidade para realização do Papanicolau. No entanto, Flavia Correa ressalta que esse modelo de rastreamento adotado no Brasil não é o mais indicado.
Segundo as últimas recomendações da OMS, o teste molecular para detecção do HPV, conhecido como teste de DNA-HPV, é o método preferencial. Esse teste é mais sensível e objetivo, pois é realizado por máquinas, enquanto o exame citopatológico depende da interpretação humana. O teste molecular oferece diversas vantagens, como o aumento da idade de início do exame para 30 anos, maior periodicidade (a cada cinco anos) e maior detecção de lesões precursoras e câncer em estágio inicial.
Apesar da necessidade de mudança no método de rastreamento, apenas alterar o método não é suficiente. É fundamental garantir a adesão às recomendações e atualizar as diretrizes, divulgando-as nas universidades e capacitando as equipes de atenção primária que realizam a coleta do material para exame. Além disso, é necessário ter um sistema de gestão que priorize o teste nas condições recomendadas e justifique a realização do exame fora dessas especificidades.
Em resumo, o diagnóstico do câncer do colo do útero no Brasil apresenta dados alarmantes em relação à realização do exame citopatológico. É essencial promover a conscientização sobre a importância do exame, melhorar a organização do sistema de saúde, garantir o acesso aos resultados dos exames e considerar a adoção de métodos mais eficientes, como o teste molecular. Somente com medidas abrangentes e efetivas será possível reduzir a incidência e a mortalidade por essa doença grave.