O primeiro semestre do ano de 2023 trouxe uma série de mudanças significativas na legislação brasileira. Dentre essas alterações, destacamos a transformação na política de assistência social do país, com a revisão do programa Bolsa Família e descontinuação do Auxílio Brasil.
A Medida Provisória 1164/23, que consequentemente se tornou a Lei 14.601/23, trouxe novidades para o programa Bolsa Família. Sob a relatoria do deputado Dr. Francisco (PT-PI), o novo texto assegura um valor mínimo de R$ 600 por família, com um adicional de R$ 150 para cada criança de zero a seis anos.
Para serem consideradas elegíveis ao programa, as famílias devem ter uma renda mensal familiar per capita igual ou inferior a R$ 218. Esta é uma pequena, mas importante, elevação com relação ao valor anterior de R$ 210.
Assim, a nova configuração do Bolsa Família prevê um pagamento por pessoa de R$ 142 (Benefício de Renda da Cidadania), juntamente com um benefício complementar para que a renda familiar alcance, no mínimo, R$ 600.
Além disso, será fornecido um valor de R$ 150 (primeira infância) para cada criança entre zero e seis anos. Adicionalmente, um benefício variável de R$ 50 será concedido para cada integrante da família que se enquadre em uma das seguintes situações:
Dessa forma, a nova lei permite ajustes, por meio de decreto federal, nos valores dos benefícios de cidadania, de primeira infância e variável, bem como no valor de referência de R$ 600 e no valor de caracterização de pobreza (R$ 218 no texto).
Todos esses valores poderão ser revisados a cada 24 meses, sendo proibida qualquer redução.
Nesse sentido, as famílias beneficiárias devem cumprir determinadas condições, tais como a realização do pré-natal, o cumprimento do calendário nacional de vacinação, o acompanhamento nutricional de crianças com até 7 anos incompletos, a frequência escolar mínima de 65% para crianças de 4 a 6 anos incompletos e 75% para beneficiários entre 6 e 18 anos que ainda não tenham concluído a educação básica.
Além das mudanças no Bolsa Família, o texto incorpora também o complemento aos beneficiários do programa Auxílio Gás dos Brasileiros. Dessa forma, a cada dois meses, a família beneficiária receberá o valor correspondente à média do preço de um botijão de gás de 13 Kg.
Originado de um projeto do Poder Executivo, a Câmara dos Deputados também reativou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), extinguindo o Programa Alimenta Brasil. Esse projeto foi adaptado para criar o Programa Cozinha Solidária, sancionado na forma da Lei 14.628/23.
O Projeto de Lei 2920/23, relatado pelo deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), estipula que, após as famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), os seguintes grupos terão prioridade de venda ao PAA:
Uma inovação importante no texto é a criação do Programa Cozinha Solidária. Seu objetivo é fornecer alimentação gratuita e de qualidade à população, com preferência para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, incluindo a população em situação de rua e com insegurança alimentar.
Para abastecer a merenda escolar ou formar estoques reguladores, por exemplo, o Poder Executivo de todos os níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal) poderá comprar diretamente, sem necessidade de licitação, os alimentos produzidos por esses fornecedores beneficiários.
No caso de produtos agroecológicos ou orgânicos, quando for impossível cotar o preço de referência no mercado local ou regional, os alimentos comprados poderão ter um acréscimo de até 30% em relação aos convencionais.
Os produtos adquiridos pelo PAA serão destinados a programas de ações de segurança alimentar e nutricional, para a formação de estoques ou para atender às demandas de gêneros alimentícios e materiais propagativos.
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei do Senado que altera os estatutos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência para incluir medidas protetivas a serem decretadas pelo juiz no caso de violência ou da iminência dela.
Para ambos os casos, o Projeto de Lei 4438/21 lista medidas protetivas semelhantes às constantes da Lei Maria da Penha, relativa à violência contra a mulher. Devido às mudanças feitas pela relatora, deputada Silvye Alves (União-GO), o projeto retorna ao Senado para nova votação.
Tanto os idosos quanto as pessoas com deficiência que tenham sofrido violência ou que estejam na iminência de sofrê-la deverão ser atendidos com prioridade pelo delegado, que comunicará de imediato ao juiz para que ele decida, em 48 horas, se adotará ou não as medidas protetivas.
Os deputados aprovaram ainda projeto de lei que torna indeterminado o prazo de validade de laudo atestando deficiência permanente ou Transtorno do Espectro Autista (TEA). A proposta está em análise no Senado.
Como o processo de diagnóstico do autismo pode ser mais longo, o texto especifica que a validade indeterminada do laudo médico valerá para o diagnóstico definitivo de Transtorno do Espectro Autista. Este pode ser emitido por médico da rede de saúde pública ou privada, observados os demais requisitos estabelecidos na legislação pertinente.
O prazo de validade da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) também é alterado. Em vez da validade atual de cinco anos, o projeto prevê duas situações: validade de dez anos se a pessoa tiver menos de 18 anos quando de sua emissão; e validade indeterminada se o identificado tiver mais de 18 anos na emissão.
A carteira pretende garantir ao usuário atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.
No caso das pessoas com deficiência, o laudo médico de caracterização terá prazo de validade indeterminado nos casos de deficiência permanente ou irreversível; e de cinco anos, nos casos de deficiência reversível ou progressiva, podendo ser alterado a critério da equipe multiprofissional e interdisciplinar responsável pela avaliação.
Outro projeto que procura beneficiar pessoas com autismo, aprovado pela Câmara dos Deputados, remete a assistência da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) aos centros especializados de reabilitação existentes na Rede de Cuidados a Pessoa com Deficiência (RCPD).
Segundo o texto aprovado, as unidades do SUS com déficit de profissionais, equipamentos ou locais especializados poderão assinar contrato ou convênio com a rede privada para suprir a necessidade da pessoa com TEA a fim de garantir a oferta do serviço.
Já as mães que se dedicam integralmente ao cuidado de filhos com autismo passarão a ter prioridade de atendimento psicossocial no SUS.
Na área de direitos sociais, a Câmara dos Deputados aprovou ainda projeto de lei que estende o direito a atendimento prioritário nos serviços para as pessoas com transtorno do espectro autista e para as pessoas com mobilidade reduzida.
Aprovado na forma de um substitutivo do deputado Kim Kataguiri (União-SP), o projeto prevê que o doador de sangue também contará com prioridade após todas as pessoas dos grupos já contemplados pela Lei 10.048/00 e os novos grupos. Para isso, o doador de sangue terá de apresentar comprovante de doação com validade de 120 dias.
As alterações recentes na legislação brasileira, com ênfase no programa Bolsa Família e na criação do programa Cozinha Solidária, representam passos significativos na busca por uma sociedade mais justa e inclusiva. Estas medidas, além de promoverem a dignidade humana, buscam garantir que todos os brasileiros tenham acesso a oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional.