No último dia 13 (quinta-feira), o Ministério da Saúde solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberação para comercialização e uso do autoteste para diagnosticar Covid-19 no território brasileiro.
Se for aprovado, quem sentir sintomas de Covid-19 poderá comprar o autoteste em farmácias. O próprio paciente fará a aplicação, coleta e interpretação do resultado, sem a intervenção de um profissional.
Porém, a Anvisa tem regras especificas para o registro de autoteste de doenças infectocontagiosas de notificação compulsória. Eles só podem ser feitos caso haja uma política de saúde pública e estratégia de ação estabelecidas pelo Ministério da Saúde.
No pedido feito pelo Ministério da Saúde para a Anvisa consta que a aprovação do autoteste terá de acontecer “com foco na monitorização de situação epidemiológica, e direcionar os esforços na contenção da pandemia no território nacional”.
Em apoio ao uso dos autotestes, a nota divulgada pela pasta define essa opção de testagem como “uma excelente estratégia de triagem”. O texto prossegue: “Os testes, que possuem resultado rápido, podem iniciar rapidamente o isolamento dos casos positivos e as ações para interrupção da cadeia de transmissão”.
Porém, no dia no dia 19 de janeiro, a Anvisa respondeu ao Ministério da Saúde solicitando mais informações necessárias para a implantação do autoteste da Covid-19 como uma política pública. A pasta tem 15 dias para apresentar a resposta.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirma que a prioridade é a testagem com profissionais da saúde.
“Do ponto de vista de uma política pública para o governo federal e o Ministério da Saúde distribuírem esses testes como uma política pública, no momento, o que é prioritário é fazer a testagem com os profissionais de saúde”, afirmou.
No caso da autotestagem, essa é uma metodologia comum na medicina, como a medição de glicose no sangue para pacientes com diabetes ou testes de HIV e de gravidez.
O paciente que possui o kit realiza a coleta através da secreção do nariz ou da boca com um cotonete. Na sequência, a haste é introduzida em um processo químico e colocada para a testagem. O resultado está disponível em cerca de meia hora, indicando tanto o resultado positivo quanto negativo para a presença do vírus.
Se o autoteste for aprovado, nos deparamos com outro problema: quem de fato vai ter poder de compra para adquiri-los? A parte mais pobre da população pode ficar de fora.
Apesar do preço dos testes estarem diminuindo, a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) informou que as farmácias devem aguardar os detalhes sobre a regulamentação para decidir qual será o valor do autoteste.
Para Denize Ornelas, me?dica de família e comunidade, a liberação dos autotestes pode trazer impactos positivos e negativos. Em sua opinião, ao mesmo tempo que a procura pelos testes nas unidades de saúde diminuirão, também haverá pressão para que as pessoas de poucos meios comprem o teste.
“Não adianta só liberar o teste pago. Para as populações periféricas é importante que seja disponibilizado também gratuitamente no SUS”, afirma ela ao site Nós Mulheres da Periferia.
Levando em conta a alta de casos pela variante Ômicron e falta de testes, Denize acredita que a liberação dos autotestes de Covid-19 pode desafogar o sistema público de saúde, desde que sejam adotadas diretrizes específicas. Uma das sugestões da médica é que haja distribuição dos testes nas casas de pessoas sintomáticas.
A infectologista e doutora em saúde pública Cirley Lobato concorda com a necessidade de distribuição gratuita dos testes. “A autorização do uso deve estar atrelada a uma política pública, com ações estratégicas para beneficiar toda a população. Não adianta ter autoteste se a população não tiver acesso”, também disse ela ao site Nós Mulheres da Periferia.
Para Denize Ornelas, é importante que a política publica envolvendo o autoteste leve em conta os princípios constitucionais que orientam a saúde, incluindo a equidade. “Então, uma agência nacional de fiscalização não pode considerar que só uma parte da população brasileira terá acesso a esse insumo”, diz.
No inicio da pandemia, houveram disputas na Justiça para definir quem deve pagar pelos testes de Covid-19 para funcionários. Uma garantia dada por especialistas é a de que o trabalhador não pode ser obrigado a pagar para se testar. E também, é dever do empregador manter o ambiente de trabalho íntegro e salubre para quem trabalha nele.
Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, a testagem tem sido apontada por epidemiologistas como uma estratégia fundamental para o enfrentamento da doença.
Porém, o que acontece desde a chegada da doença ao país é a falta de testes, e consequentemente, ausência de dados confiáveis.
No caso do autoteste, se for disponibilizado para a população, ele têm o potencial de ampliar a testagem em pessoas com e sem sintomas. Além da possibilidade de ser usado por um grupo antes de realizar uma reunião ou encontro, por exemplo, justificando aglomerações.
A partir do diagnóstico da doença, é possível encaminhar o paciente ao tratamento adequado, praticar o distanciamento social e promover o rastreamento de outras pessoas de seu convívio, expostas à infecção.
O pesquisador Cláudio Maierovitch, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), concorda que a utilização do autoteste, como estratégia de saúde pública, poderá trazer benefícios para o contexto epidemiológico da doença no país.
“Nós poderíamos ter um instrumento colocado pelo governo, de forma gratuita, à disposição de públicos prioritários, para que isso facilitasse a identificação de pessoas com o vírus, e fossem praticadas as medidas de isolamento, quarentena e controle. Isso poderia dar mais segurança para a volta às aulas nas escolas públicas, por exemplo”, afirma ele para o site da CNN.
Para o infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a utilização dos autotestes deve ser acompanhada de treinamento à população, para evitar a interpretação equivocada dos resultados.
“As pessoas podem achar que estão com a doença e não estão. Ou acha que o resultado deu um falso negativo. Não é simples, às vezes, interpretar esses testes, especialmente se eles não forem colhidos de maneira adequada”, disse Kfouri em entrevista à CNN.