Sinestesia nas obras literárias

Figura de linguagem que se refere ao plano sensorial

A sinestesia é uma figura de palavra ou tropos, assim como a metonímia e a metáfora, que fazem referências à percepção sensorial – tato, audição, olfato, paladar e visão.

Ao lermos um texto e dentro de um mesmo contexto ou na mesma oração estiver a junção de palavras que se referem aos diferentes sentidos humanos, diz-se que houve o uso da sinestesia. Leia a oração abaixo:

A chácara tinha o cheiro doce da minha adolescência.

Observe que o sentido é construído através da junção das palavras “cheiro” e “doce”, que por sua vez se refere aos sentidos olfato e paladar.

Sabe-se que não é possível degustar nenhum sabor de cheiro. Entretanto, construções sintáticas como essas somente são possíveis na linguagem figurada.

Na língua escrita literária a sinestesia é muito utilizada como um recurso estilístico pelos escritores da literatura. Leia abaixo os seguintes exemplos de trechos literários e preste atenção nas palavras em negrito:

Exemplo 1: O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como um esposo, deixando-lhe o odor e a delícia da tarde. (Gabriel Miró)

As palavras “céu” e “azul” referem-se à visão e às palavras “sensação” e “acariciando-a” referem-se ao tato.

Exemplo 2: Insônia roxa. A luz a virgular-se em medo. / O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou / Gritam-me sons de cor e de perfumes. (Mário de Sá-Carneiro)

O poeta português Mário de Sá-Carneiro abusou dos recursos sinestésicos. Pois, fez referência aos sentidos audição, visão e olfato através das palavras “sons”, “cor” e “perfumes” em uma oração.

Exemplo 3: E um doce vento, que se erguera, punha nas folhas alagadas e lustrosas um frêmito alegre e doce. (Eça De Queiros)

Novamente, percebe-se que o uso da sinestesia na linguagem figurada confere mais expressividade e criatividade ao texto. Nesse trecho literário a expressão “doce vento” refere-se ao paladar e ao tato. Já as palavras “frêmito” e “doce” referem-se ao sentido audição e ao paladar respectivamente.

Sinestesia nas obras literárias

Muitos escritores da literatura brasileira utilizaram a sinestesia em suas obras literárias.

Você conhece o romance “Dom Casmurro” do escritor brasileiro Machado de Assis? Este romance foi publicado no final do século XIX e narra na 1ª pessoa a estória de amor e traição entre Santiago (o Bentinho) e Capitu.

Pois bem, nessa obra o escritor usa a sinestesia. Leia abaixo um trecho do livro e preste atenção nas palavras negritadas:

 

“No quarto, desfazendo a mala e tirando a carta de bacharel de dentro da lata, ia pensando na felicidade e na glória. Via o casamento e a carreira ilustre, enquanto José Dias me ajudava, calado e zeloso. Uma fada invisível desceu ali e me disse em voz igualmente macia e cálida: “Tu serás feliz, Bentinho; tu vais ser feliz.” [grifos nossos]

 

A palavra “voz” é do domínio sensorial da audição e está qualificada pelos adjetivos “macia” e “cálida”, que referem-se ao tato.

No romance “Memórias Póstumas de Brás Cuba”, também escrito por Machado de Assis, ocorre o uso dessa mesma figura de linguagem.

Leia abaixo um trecho do capítulo LXIII do livro e observe as palavras negritadas:

 

“Virgília amava-me com fúria; aquela resposta era a verdade patente. Com os braços ao meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar a olhar para mim, com os seus grandes e belos olhos, que davam uma sensação singular de luz úmida; eu deixei-me estar a vê-los, a namorar-lhe a boca, fresca como a madrugada, e insaciável como a morte.” [grifos nossos]

 

Nesse trecho a união das palavras “luz úmida” faz referência a sentidos sensoriais diferentes. Uma vez que, “luz” remete-se a visão e “úmida” ao tato.

Sinestesia: expressões do cotidiano

A sinestesia por ser uma figura de linguagem que confere expansão ao significado da palavra, também é muito usada nas expressões do cotidiano.

Então, poder ser ainda chamada de figura de mistura. Uma vez que, combinações de termos de ordem sensorial deferente auxiliam em diferentes entendimentos do mundo.

Leia abaixo alguns exemplos mais comuns de expressões sinestésicas do cotidiano:

 

“voz áspera” (audição + tato)

Exemplo 1: João tem uma voz áspera.

Exemplo 2: Depois de sair na chuva Joana ficou com a voz áspera.

 

“olhar frio” (visão + tato)

Exemplo 3: Júlia ficou com o olhar frio depois da prova.

Exemplo 4: Carlos está com o olhar frio hoje.

 

“sorriso doce” (visão + paladar)

Exemplo 5: Catarina tem um sorriso doce.

Exemplo 6: Amanda ganhou uma linda festa e ficou feliz e com um sorriso doce.

 

“cor berrante”

Exemplo 7: Elaine foi à festa com um vestido de cor berrante.

Exemplo 8: Brenda pintou as unhas com uma cor berrante.

 

“perfume doce”

Exemplo 9: Eu adoro perfume doce!

Exemplo 10: Minha mãe prefere perfume doce.

 

“gosto macio”

Exemplo 11: O arroz temperado ficou com um gosto macio.

Exemplo 12: O purê de aipim está com um gosto macio.

 

Construções sinestésicas do simbolismo

O simbolismo foi um movimento literário que apresentou uma linguagem subjetiva, criativa, marcas da musicalidade, muitas construções sinestésicas, entre outras características linguísticas.

O poeta francês Charles Baudelaire foi um importante escritor do simbolismo na literatura internacional. No seu poema “Correspondências” apresenta algumas construções sinestésicas. Veja:

Da Natureza, templo de vivos pilares,

Uma fala confusa muitas vezes sai;

Pela selva de símbolos o homem vai

Sob a contemplação de íntimos olhares.

 

Como ecos distantes que confundem tons

Numa crepuscular e profunda unidade,

Tão vasta como a noite e a claridade,

Conversam os perfumes, as cores, os sons.

 

Há cheiros frescos como dos recém-nascidos,

Doces como oboé, verdes como um jardim

– e outros triunfais, ricos e corrompidos,

 

Com toda a expansão dessas coisas sem fim,

Como âmbar, almíscar, benjoim e incenso,

Que cantam os sentidos e a mente em ascenso [grifos nossos]

 

Sinestesia na música

O cantor e compositor paulista Luciano Nakata Albuquerque, conhecido como Curumin, lançou em 2012 a música “Vagalume”, em que fez uso da sinestesia. Veja:

Sinto cheiro desse rio

É doce, é doce, é doce, é doce

Sinto o cheiro desse rio

É doce, é doce, é doce, é doce

Sigo sua beleza, suas curvas, sua natureza [grifos nossos]

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